A teoria dos potes

Thabata Bernardes
revistaokoto
Published in
3 min readJun 25, 2021

Eu demorei a crescer, demorei a querer crescer. Porque toda relação de crescimento, amadurecimento que eu tinha em mente, era sobre se apartar da minha mãe. Era sempre um tal de: você é muito velha pra morar com a sua mãe, toma vergonha, vá criar sua independência! Olha, eu nunca ouvi da minha mãe que era algum tipo de problema morar com ela tendo mais de 30 anos, mesmo assim sempre tinha alguma independent woman que acha que eu era mimada por morar com mainha. E de fato eu sou!

E isso nunca impediu minha mãe de me passar corretivos, mesmo depois dos 30 anos, se tiver que rolar correção, ela não hesita, as vezes eu acho até que ela espera por isso. Ela sempre fica a espreita esperando eu ou meus irmãos sair da linha para falar e se preciso for dar um chamadão.

Mas vamos a teoria, como eu falei no início, o meu amadurecimento é recente em várias áreas da minha vida. A autogestão, a responsabilidade, o comprometimento, tudo isso chegou a partir do Kilûmbu, a partir da comunidade. Ter que arcar com as reponsas, ter que lidar com as próprias falhas isso é muito bom, mas também não é o lugar comum de pessoas pretas. Tanto pelo condicionamento a se comportar como branc,os, quanto pelo lugar de incapacidade que o racismo insiste em nos colocar.
A teoria dos potes tem a ver com isso, eu estou fora de casa, estou “caçando meu rumo" como diria uns e outros por aí. E nessa de viver uma independência materna, eu tenho aprendido a cuidar, a dividir, a quantificar e o principal, “retribuir”.

Eu me lembro a primeira vez que minha mãe me cobrou por levar o pote que ela me deu com comida vazio, eu ri, achei que era brincadeira, achei que era qualquer coisa. E aí durante uma conversa no Kilûmbu eu me liguei, a minha mãe faz tudo por mim, e quando eu digo tudo é tudo mesmo. Ela gosta de quem gosta de mim, ela cuida de quem cuida de mim. Ela respeita quem me respeita. Essa é a forma dela me amar, e eu sempre retribuí na mesma medida.
Mas agora a gente tem se amado mais e de um lugar mais distante, e isso tem mudado a forma de retribuir o amor.

Agora ela cozinha e separa o potinho pra mim, e agora eu cozinho e separo o potinho pra ela. Ela é mais abundante pq faz pra dois, RS! Ela gosta de quem gosta de mim lembram? E quem gosta de mim gosta bastante de comer… então ela faz muita coisa pra mim… RS!

Enfim eu entendi o porquê não se devolve um pote vazio!
Além de retribuir o feito, nós precisamos alimentar quem nos alimenta, além de tirar de quem nos dá, nós precisamos voltar a dar a quem nos dá para que nunca falte!

Você nunca pode sair de um lugar da mesma forma que entrou se dali você comeu, você bebeu, se alimentou de alguma forma. Se ali você foi bem tratado, o mínimo é agradecer mas o certo é retribuir.
Jamais saia de um lugar onde lhe foi ofertado qualquer coisa sem ofertar algo de volta…

Isso é sobre ser preto, isso é sobre ser família, isso é sobre ser comunidade, isso é ancestralidade, isso é Esù, e Esù é movimento, nada na nossa cultura é estático. Passa por Esù, mas passa por todo o modo de vida africano, um pote nunca será somente um pote. A mão que te alimenta precisa ser alimentada também, o lugar que te alimentou precisa ser alimentado também. Isso é vida, é o círculo da abundância, do amor e da reciprocidade.

Um pote nunca é só um pote, hoje eu levei batata recheada e ganhei bolo. Eu ganhei bolo, ganhei amor, ganhei cuidado. Comida é amor, e é por isso que eu tenho me descoberto tão boa cozinheira, eu tenho amado muito...

Amado pessoas, sonhos e propósitos, eu alimento os meus propósitos com amor, mas também os alimento com responsabilidade e reciprocidade.

Obrigada pelo amor mamãe 💛

--

--