A vontade e o medo

Arokin Akasia
revistaokoto
Published in
5 min readAug 17, 2021

O menino que não segurava o fogo

Pequeno Afonjá andava pelas redondezas de Iorubalândia feliz, porém atento. Observava os animais com seu pai que o levou para ensiná-lo a caçar e constantemente o perguntava sobre o que viam:

“que pássaro é este?” ou qualquer fosse o animal mais próximo

E resoluto respondia sempre o menino

“é um tico-tico”

“muito bem, vejo que cada dia aprende um ser diferente aqui do Aiê.” seu pai, contente com o filho que estava criando.

Afonjá, assim como as outras crianças do reino, brincava de Akhue pelas ruas de Oió, uma brincadeira com peças que podem ser pedras ou sementes e dois jogadores se enfrentam com o objetivo de retirar primeiro mas pedras do campo do oponente. Num certo dia, um amigo seu jogou a pedra com bastante força para o lado de Afonjá , bateu numa esquina duma das casas e rumou para o lado leste do cruzamento.

Para sua surpresa, uma outra criança já havia pego, mas permanecia de costas para erê. Chamou por ele “licença, pode me entregar essa peça?”. No instante ele vira e responde que sim, arremessando a pedra que logo em seguida pega fogo, rápido demais para Afonjá consiga se desviar, a pedra bate no garoto que cai atordoado. “Não consegue segurar a bola? Hahah” o menino saiu debochando.

Quando adolescente, Afonjá já responsável em sua adeia em uma oficina, patrulhava também por arredores de Ifé, com um bom odé, certa vez um homem cruzou seu caminho, se olharam pelos ombros como iguais, alguns passos depois o homem chamou “Oba Kossô!” surpreso pois nunca tinham chamado assim — e nem deveriam — ele se vira e pergunta “Consegue segurar?” e a bola entra em chamas novamente, mas o príncipe já era mais astuto, apesar de não tão calejado, maneja a pedra em chamas por alguns toques, mas não conseguiu mantê-la. Reconhece a situação de sua infância mas não entendia.

Em sua idade experiente tinha um irmão cuja rivalidade era conhecida desde cedo, este se tornou um rei determinado governador, tomando para sua administração povos vizinhos aumentando a riqueza do povo. Em um certo dia ele fez um banquete, convidando os outros príncipes, reis e realezas de Iorubalândia, na festividade um estrangeiro muito rico que estava convidado passou por Afonjá, o cumprimentou e seguiu para falar com o seu irmão, disse que em sua região não conseguiam mais plantar para sobrevivência, seus materiais de trabalho não dão conta e pediu aos reis e príncipes quem seria capaz de ajudá-lo.

Eles não souberam nem em como ajudar. Para isso, o estrangeiro pega um saco e de lá tira várias pedras, diz que aquele que conseguir segurar já saberá como resolver. Joga ao rei vigente, que acha fácil a proposta e mal se prepara para segurar a pedra, para sua surpresa segundos antes de cair em sua mão a pedra pega fogo e chamusca as roupas do rei. “Você não serve para rei de Cossô” disse o estrangeiro e na mesma hora joga uma outra a Afonjá que não só segura a pedra em chamas, mas também a engole. Anos se passaram desde a primeira vez, Afonjá sabia do que se tratava e disse “Tenho o conhecimento do fogo e da forja, levarei a você e seus familiares.” E responde o estrangeiro apenas com “Não precisa, queria saber se você tinha conhecimento sobre a própria força.”

E quando todos tomaram ciência do conhecimento de Afonjá enquanto ele foi compartilhando entre os reinos de Iorubalândia deram a ele o trono da cidade e se tornou Oba Cossô.

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O fogo é a vontade. Este menino chamado Afonjá, mas também conhecido como Xangô, tem a jornada de segurar a força de vontade com as próprias mãos. É testado desde criança sempre por um outro de mesmo tamanho e idade que ele, seu ibeji impulsionador. Na juventude, o mesmo acontece, na vida adulta também. Somos constantemente impulsionados por uma força igual a nossa força a lidar com vários BOs, um deles é a força de vontade, bem direcionada vai na meta de cumprir o propósito, na direção oposta não ajuda em nada para a raça.

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O Novo Negro não tem medo

Garvey marchou com os membros da UNIA dentre outros dizeres com a provocação “O NOVO NEGRO NÃO TEM MEDO!”. Este novo negro…quem seria ele já pensou? Será um novidade no mundo, que ainda vai nascer e crescer, novo de moderno? E de que é que esse antigo negro tem medo?…

De cara podemos pensar não ter medo do racismo, não ter medo de enfrentar o racismo, não ter medo de expressar o orgulho sobre a raça, sei lá não ter medo de socar um branc’o na rua. Mas é talvez algo simples, não é só o ódio contra o branco que é capaz de mover as pessoas em prol de um propósito, esse sentimento pelo menos vai dar uma norte. Um convite que hoje o novo negro tem é não ter medo de ter vontade de abrir mão das branquices de estimação.

O antigo negro é aquele que assinou o programa Meu Yurugu Minha Vida, nada é por ele senão pelo outro, ainda coloca nome iorubá no meio pra dizer que é ancestral. Justificam todas suas conquistas não só pelo incentivo dos pálidos, mas também quando são enxotados de todas as formas, mas continuam, tentando incansavelmente ocupar todos os espaços “afinal, fizeram tanta questão d’eu não estar aqui que aí mesmo vou ficar, ainda trazer semelhantes”. O antigo negro (ou negro do presente) tem medo de viver fora do mundo branco, tanto medo que não muda seu comportamento e continua a viver como branco, mesmo que se emperequete com *panos africanos*, jóias, frequentando o tal dos topos ocupados…Mas riqueza é o que as notas não compra…

Arte: Izaias Oliveira

O novo negro não é bom crioulo e não sujeita seu corpo a fazer vontade do sinhô, não é o que almeja progresso no O novo negro busca constantemente exercer a vontade do próprio povo, não demandas de qualquer um outro. Afinal, cada um age pelo próprio interesse, mesmo que alguém tome uma decisão que afete positivamente você, não foi em você que ele estava pensando quando tomou aquela atitude. Tipo quando a gente vai atravessar numa rodovia e um motorista que vinha vindo rápido diminui a velocidade pra você passar, ele não fez isso porque apenas não quer que você morra, mas por isso acontecer ele teria prejuízos que não quer arcar.

“Levante, “sua raça de covardes!” (You race of cowards!), como diria o próprio Garvey!! Sem medo! Tem que falar mesmo! Stop sweet-talking! Tem que ir pra dentro.” *

O novo negro então é aquele que não tem medo de olhar para o próprio yurugu e dar risada, da mesma forma que faz com os negrescos, olhar pro comportamento zuado e achar graça. O medo foi instaurado como arma e por isso andam muitos de nós como alvo e é isso mesmo, sabemos que há uma guerra instaurada, o problema de raça em que vivemos.
Não à toa o nome da organização de Garvey era “Associação Universal para o Progresso do Negro e das Ligas das Comunidades Africanas”, seu objetivo era levantar a moral cultural e econômica do povo, porque também não é só sobre perder o medo, depois dali há um trabalho a ser feito e como tudo na vida rs há um ebó a ser preparado.

Trecho do texto “O Novo Negro Não Tem Medo” — https://medium.com/@maicolwilliam/o-novo-negro-n%C3%A3o-tem-medo-1c40ce496db4

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