Abebé de força

Nara Campos
4 min readApr 16, 2018

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Reconecte a sua ancestralidade.

Imagem: IFA: Òrìṣa Scientific Spirituality

Diante da colonização feita pelos brancos em nossos corpos, em nossas vivências ancestrais e em nossa intelectualidade, nossas histórias seguem sendo apagadas e nós permanecemos distanciados de nossas existências enquanto povos africanos. Muitas vezes batemos de frente com o que somos evitando nossas intuições de forma a nos moldarmos em corpos e atitudes que não são nossas, com intuito de nos adaptarmos aos corpos brancos por aceitação ou demais motivos. Essa insistência acaba por nos trazer diversos problemas individuais e coletivos.

Nossas ações não devem (ou não deveriam ser) pautadas na dicotomia branca. A forma de agir, de lidar uns com os outros, o individualismo que anula o sentido de comunidade (ubuntu), o pensamento intelectual que prioriza a razão sobre nossas emoções, a nossa forma de vestir, nosso comportamento, nossos cabelos, todas essas vivências brancas são constantemente inseridas de forma obrigatória e violenta sobre nós e nós seguimos acreditando que podemos enegrecer os valores brancos assim como, a forma branca de agir no mundo. Na tentativa de escurecer o que é branco, acabamos embranquecendo quem somos.

Racionalidade sobre emoções, individual sobre comunidade, dominação sobre construção coletiva, extração de bens naturais, relações tóxicas, problemáticas existenciais, desrespeito ao ancestral. Nós não somos isso.

Em África, a relação dos nossos corpos parte do ancestral, da musicalidade, da vibração, da orixalidade. Da existência do corpo não como forma de pensamento hierárquico ocidental, dual, onde há sobrevalorização da razão sobre as emoções e suas reações corporais.
Em nosso continente muitas das relações ancestrais com a natureza são corporificados nos orixás. A vibração dos elementos naturais como águas, rios e matas constituem a Orixalidade, relacionando-se à nossa ancestralidade: conexão.

Imagem: Internet

A forma de existência africana nos mostra que os processos de aprendizagem e a organização social dos diversos povos africanos — cada qual à sua maneira, porém todos com suas respectivas formas de pensar e viver a partir da relação com a natureza, ancestralidade e comunidade, se mostram de maneira articulada, integrada, contínua e livre de binarismos brancos.

Já o pensamento ocidental tem em sua base a desconexão. Para a antropóloga em estudos africanos Marimba Ani, o asili- semente central ou matriz germinativa de uma cultura — da cultura européia é dominado pelos conceitos de separação e controle, onde estabelece as dicotomias como “homem” e “natureza”, “o europeu” e “o outro”, “pensamento” e “emoção” — separações que com efeito, acabam negando a existência do “outro”, tomando- o sempre a serviço das necessidades do homem europeu. Desta forma, o homem branco tem como objetivo controlar, impressionar e intimidar as pessoas.

Um corpo negro desconexo de suas raízes, é facilmente incorporado ao pensamento branco e à todas as dificuldades e retóricas pertencentes a este povo. Aqui nascem as maiores complexidades de ser negro no mundo pois retiram toda a sua identidade, afastam tuas raízes e histórias, renegam teus conhecimentos, te amarram nas problemáticas do pensamento cartesiano e pelos olhos brancos, animalizam a sua existência.

Perceber essas movimentações e permanecer nos adequando às características dos povos brancos, reforça que o padrão a ser seguido é o branco. Quando aceitamos a retórica branca de posicionamentos, rompemos a nós mesmos por dentro. Antes de mais nada, precisamos enegrecer começando por nós. Lembrando sempre que viemos de povos ancestrais que conectam valores de sabedoria e conhecimento, que vibram com as sensações do mundo. Nós não somos parte, nós somos o centro da humanidade. Nós não somos um povo desconectado, tampouco somos um povo doente embora tenham tentado e ainda tentem nos fazer acreditar nessa premissa. Devemos lembrar que sempre fomos e somos o centro do mundo e a liberdade se dá através das nossas próprias ações. Entrar em um mundo branco a fim de resolver as questões causadas por eles, é mera ilusão. É a partir de uma construção negra, construção dos nossos povos que precisamos e devemos prosseguir.

A Orixalidade nos ajuda e muito a seguirmos sem pestanejar ou sem branquear. Observem os orixás. Os sentimentos humanos sempre estiveram presentes na mitologia dos orixás e na tradição oral africana. Sentimentos que mais tarde viriam contar outras histórias, que compõem uma literatura feita por nossos ancestrais.

Oxum carrega um espelho capaz de refletir sua própria imagem, deidade da alma. Oxum é a divindade da imaginação. Ela é, portanto, a fonte de todas as coisas que são baseadas na imaginação. Imaginação é a faculdade com que o espírito cria imagens e representações. Se a imagem que você tem de si é outra, como prosseguir sendo exatamente você, como prosseguir sabendo suas reais possibilidades? Uma vez que esta verdade é compreendida, pode-se entender o poder da imagem.

Qual imagem é refletida através do seu espelho?

Imagem: Zaus Kush

Não sejamos escravos de mentalidade branca. Nossos conceitos e imagens devem ser os que vem da nossa ascendência africana. A Divindade deve refletir-te. Este é o espelho de Oxum.

Nossa Mãe Oxum carrega um ‘espelho’ não porque ela é “vaidosa”, mas porque Ela representa sua Autoimagem Divina. É sua Autoimagem que determina como você se expressa e encara o Mundo, seu sucesso e fracasso.

Precisamos urgentemente parar de refletir em nossos espelhos ações brancas, que uma hora ou outra se voltam contra nossas próprias questões, contra a nossa própria existência.

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Nara Campos

Sua cultura é seu sistema imunológico. Marimba Ani.