Afrika e Afrikanos: política e geografia

Akínwálé Òkòtó
revistaokoto
Published in
3 min readMay 27, 2022

“Eu não sou Afrikano porque nasci em Afrika, mas porque Afrika nasceu em mim.” (Kwame Nkrumah)

Colonização e escravização não são apenas sobre pilhagem de recursos e riqueza e sobre o sequestro de mão de obra desumanizada, para erguer uma infraestrutura supremacista brankkka, na política, na cultura, na economia e na sociedade. Essencialmente, foi, bem antes, sobre retirar, privar o que é próprio do Afrikano de sua geografia original e da sua cultura, entende? O que é próprio do Afrikano foi estilhaçado e fragmentado pelo mundo que os eurasiáticos construíram pra si sobre as nossas cabeças e sobre terras onde viviam — e hoje apenas sobrevivem — os Povos Pretos e não-brancos. A perda da língua, do nome e do poder de nomear o mundo e reconhecer seu lugar nele é tão ou mesmo mais importante do que “recursos” e mão de obra traficados.

Para além das muitas partilhas de Afrika por povos europeus e eurasiáticos feitas, refeitas e documentadas ao longo da história, é importante reconhecer que muito do que é próprio do Afrikano se encontra cada vez menos por lá. Um exemplo é o fato de que mais de 80 porcento do continente se identifica hoje como povo da bíblia e do alcorão, ou seja, mais de 80% são de confissão ou cristã ou muçulmana. É algo que dá a medida do desvalor e da consequente perda das referências culturais e espirituais próprias, além da assimilação aos códigos culturais e históricos de outros povos. No campo das línguas, esses portais de acesso a civilizações originárias, em mais algumas décadas, no andar da carruagem, assim disse um mestre Yorubano, de Ìbàdàn, que vive no brasil, será preciso a um Afrikano cruzar o Atlântico em direção aos estados unidos ou ao brasil, caso queira aprender a falar uma língua como o Yorùbá. As novas gerações, por uma série de razões de natureza política, não aprendem a falar a língua de seus avós.

No plano das economias materiais e imateriais, é preciso dizer que partes do Continente Afrikano foram reduzidas a enclaves privados destinados ao despejo do lixo industrial e espiritual do Ocidente. Em países como Ghana, entre outros na costa atlântica, existem hoje distritos que concentram o lixo eletrônico e têxtil do Ocidente, exportado de forma tanto legal como ilegal. Denominações evangélicas que não conseguem mais reunir suas “ovelhas” em países como estados unidos, por exemplo, encontram campo fértil em países como Uganda, por exemplo, onde líderes dessas empresas religiosas, embora estrangeiros, chegam a exercer, de forma mais ou menos indireta, o poder legislativo. Eles afetam o destino de milhares de famílias Pretas, aconselhando parlamentares, legisladores e executivos da política Afrikana.

A arquitetura política assim como o conjunto da máquina estatal da maior parte dos países Afrikanos — cujas fronteiras foram definidas após um sucessivas partilhas da Afrika por povos invasores — foram reduzidas à peças e engrenagens no interior da infraestrutura política dos povos brancos colonizadores. No campo da representatividade, a maior parte de sua liderança política se presta hoje ao papel de marionete do ocidente, servindo aos seus interesses. São aqueles para quem a herança maldita da colonização e escravização segue, há séculos, oferecendo recursos e acessos à custa da traição, extermínio e exploração do seu próprio povo e de sua terra-mãe.

Tudo isso são formas como a política traça a geografia e define lugares e sujeitos da cultura e da política. Percebe? São essas algumas formas como essa constelação que é própria do Afrikano vem sendo, não é de hoje, reduzida, destituída, desvirtuada, limada e arrastada para fora de sua órbita primordial.

A localização da Afrika é matéria política. Distantes do Continente-Mãe Afrika, lugares como Terreiros, Kilûmbus, Comunidades Cimarrones, Palenques, Cumbes, Mucambos são algumas das iniciativas autônomas de relocalização (reterritorialização) de uma Afrika necessariamente multiétnica e plurinacional conduzidas por famílias de origem Afrikana, em condição de desterro. São as muitas Afrikas que se fizeram após a travessia forçado do Atlântico.

É a ação política que faz, desfaz e refaz a geografia e não o contrário. São essas formações político-culturais com sua geografia autonomista que nos foram legadas como fontes inesgotáveis para a práticas culturais e políticas de restauração de pessoas, famílias, comunidades, nações e reinos Afrikanos d’além-mar.

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