.C.O.R.P.O.

Nosso corpo foi (e ainda é) principal elemento de dominação e embranquecimento.

Mayara Assunção
revistaokoto
4 min readFeb 25, 2021

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Qual jeito seria mais fácil para se dominar povos e fazê-los obedecer senão dominando seus corpos?

Surrar, aprisionar, conter, rasgar, embranquecer… São apenas algumas formas de violência que vêm há tempos negando Humanidade para Negros.

E indo um pouco mais adiante em toda as questões que envolvem nossos corpos eu quero, hoje, trazer uma outra discussão:

COMO ESTÁ O SEU CORPO NEGRO?

E “estar” aqui, não se refere a peso, altura, padrão…

Aqui, eu pergunto do TODO.

Há tempos estamos associando corpos negros à formas prontas. Às embalagens que não nos cabem.

Não muito, quando falamos em um “Movimento Negro”, em uma “Militância Negra”, que trabalhe ativamente com a tríade “mente, espiritualidade e corpo”, muitos de nós entendem que estamos falando de corpos padronizados, malhados, trincados e MAGROS.

E olhem que grande falha é nossa: estrutura corporal, definição corporal, não está ligada a consciência e muito menos é fator decisivo para que um corpo seja utilizado em sua totalidade.

Quantas pessoas magras eu conheço que mal sabem usar o corpo para uma movimentação básica de direita e esquerda? Quantas pessoas magras mal têm agilidade? Quantos corpos magros são duros? Quantas pessoas magras não conseguem praticar uma atividade corporal? Isso porque o peso não tem haver com desempenho para todas as atividades corporais. Isso não é fator decisivo para utilização em sua totalidade.

Eu posso dançar um frevo ou dançar e tocar um maracatu com excelência e não desempenhar com agilidade uma partida de queimada. E eu não tenho, hoje, um corpo magro. Têm pessoas que irão utilizar seu corpo para uma luta e não necessariamente saberão dançar. Eu conheço pessoas com corpos gordos que dançam ou jogam futebol melhor que pessoas com corpos magros. E ainda corpos que correm ou malham, mas não dançam e jogam capoeira.

Não há regra fixa ou padrão único para definir corpos negros e qualidade nos movimentos destes corpos.

São inúmeras possibilidades. Inúmeros contextos. E ao tentar fazer caber um corpo que não é nosso, em um espaço que não é nosso, estamos mais uma vez reproduzindo com perfeição o que nos foi ensinado e violentando nossos corpos.

Qual a utilidade e a necessidade da busca ao corpo que segue um padrão que não é o seu? Que não lhe cabe? Por que a insistência de ficar onde não cabe?

Tambores Africanos — imagem retirada da internet

Eu acredito que corpos negros são como tambores africanos: Múltiplos e Únicos.

Existem vários tipos de tambores africanos. Várias são as formas de serem tocados. Cada tipo de tambor pode ser utilizado para um rito específico — desde de uma manifestação cultural a uma manifestação religiosa. Tambores falam, cantam, contam uma história. Quando precisam, tambores calam. E em todas as formas, tambores existem sempre juntos. Estão em composição coletiva — afinados individualmente, compondo o todo. Conversam entre si e dialogam com voz, dança e outros instrumentos.

Independente de cada tamanho, TAMBORES tem sua importância e som próprio. É como cada corpo negro, que precisa estar inteiro reverberando seu som.

Ter um corpo que não busque a totalidade (desde o básico como agilidade, lateralidade, flexibilidade, resistência… até entender e cultivar sua ancestralidade…) é ter um corpo inerte. É ter um tambor valioso, ancestral e vital, esquecido e empoeirado.

Para práticas corporais é claro que existem noções básicas e que requisitos corporais podem ajudar. Mas “PRÁTICA” CORPORAL exige “prática” mesmo. Treino. Repetição. É uma constante. É como tocar — precisa praticar.

Todos os corpos são possíveis de se desenvolver em sua totalidade. E é a prática desta totalidade que irá desenvolvê-lo. Começa dentro. Precisa se regrar para o treino. Precisa treinar. Precisa ir ao seu máximo. Precisa conhecer. Precisa de conhecimento. Precisa estudar sim. Precisa pensar. Mas precisa trazer para o corpo. Precisa fazer. Precisa buscar e, além disso, praticar.

Começa com um grande movimento para entender que tudo é movimento e que o corpo não está separado de nada.

É cada mania que a gente tem de achar que peso da balança por si só define a potência de um corpo.

Mas nem cor da pele, por si só, define a potência de negros (ou sua atuação) nesta sociedade da diáspora.

Se nem o diploma da melhor universidade da América latina define inteligência. Por que só o corpo iria definir alguma coisa?

É preciso corporeificar todas as complexidades do “movimento negro”. Todas as ramificações. Transformar em pulsação as falas. Trazer ritmo ao pensamento. Brincar com os conhecimentos. Jogar com o corpo nas palavras.

Afinal, como está o seu corpo negro?

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Mayara Assunção
revistaokoto

Filha da Dona Rita. Mãe do Adriano e da Amora. De São Mateus. Algumas vezes eu danço, em outras toco e noutras escrevo!