Cada cabeça, uma sentença!

Marcos Andrade
revistaokoto
Published in
2 min readSep 23, 2022

Conta-se em um itã que quando o mundo foi criado, nenhum animal possuía cabeça. Havia a promessa de que todos receberiam belas cabeças com tudo que se tem direito, no entanto, tendo em vista a enorme demanda pelo número de pretendentes, não existia previsão de entrega.

Nessa época, o caranguejo tinha boa fama de adivinho e vivia muito bem deste ofício. Cultuava e era bem íntimo de Exu, com quem dividia tudo que recebia da função de adivinho e desta forma estava sempre muito bem informado de tudo que ocorria, tanto no Ayê quanto no Orun.

Em um dia logo pela manhã, Exu foi até a casa do caranguejo para lhe dar em primeira mão, a tão esperada notícia: Olodumare, já impaciente com tanta reclamação, distribuiria cabeças entre os animais no dia seguinte. Havia um porém, o numero de cabeças não era suficiente para todos e os que chegassem por último continuariam desorientados.

Exu pediu ao amigo que não contasse para ninguém antes de chegar primeiro e escolher a melhor das cabeças disponíveis. Depois poderia correr a notícia. Não sabemos se por força do hábito de adivinhador, descuido ou vaidade, o caranguejo logo após a partida de Exu saiu espalhando a notícia para todos, sendo muito bem recompensado pela notícia.

Somente depois de avisar a todos e deixar suas recompensas em casa, é que o caranguejo foi até o Orun buscar sua cabeça, mas era tarde demais. Desacreditado e negado por exu em seu ofício, o caranguejo internou-se no pântano onde vive até hoje na lama e sem cabeça!

O Orí é muito mais que a nossa cabeça física, ele contém elementos ligados ao destino, a personalidade e a consciência (se pá o inconsciente) individual, é também a cabeça interior — Orí inú. Cabeça interior e cabeça física são complementares e formam uma só divindade, Orí. Material e imaterial, indivisíveis e assim ambas devem ser cultuadas.

Há ainda na tradição ioruba, a noção de que somos formados por nossa ancestralidade, nossa liberdade de escolha e nosso caminho. Somos o resultado da herança de nossos ancestrais e encarnações, das nossas escolhas e do nosso destino. Podemos ter um bom ou um mal caráter, à medida que nos conectamos ou não com princípios morais e de valor para nossa comunidade.

Nosso Orí é dotado da capacidade para decidir e agir autonomamente sobre uma determinada encruzilhada, aproximando ou afastando dos propósitos de Olórum. Se estivermos conectados espiritualmente, nosso Orí observará os sinais necessários para a tomada de decisões que nos levarão a cumprir nossos propósitos ou não, mas que invariavelmente terão consequências.

Arte: Diego Alberto

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