Capoeira como base

Magrinha Òkòtó
revistaokoto
Published in
3 min readApr 5, 2021
Ilustração: Izaias Oliveira

Como a falta de movimento vai atrofiando nosso corpo. Estou muito longe de ser alguém desenroladona na capoeira, mas desde o primeiro treino já sinto o quanto meu corpo mudou.

Quem me dera ter a capoeira como base desde sempre. Mas não foi assim que aconteceu, então eu tenho que correr atrás do preju. Se eu ficar me culpando ou me vitimizando falando do que não tive vou ficar parada, estática e isso meu corpo já foi muito. Fizeram isso com meu corpo e eu mesma fiz isso com ele.

Eu lembro que no começo nem conseguia fazer a negativa, sentia que meu corpo pesava demais e que meus braços não estavam prontos pra me segurar. Com o passar do tempo, finalmente conseguindo fazer a negativa, eu notei como meu peso se distribuía não só nos meus braços, mas também no meu corpo todo. Às vezes a gente olha para uma parte e esquece que se você tá fazendo um movimento então é seu corpo todo que tá ali, cada membro, órgão, pedacinho atuando de um jeito. Pra fazer um aú(conhecido como estrelinha)eu não jogo apenas meus pés para o alto, mas minhas mãos, meus braços, meu abdômen, minhas costas, etc também estão envolvidos.

Mas vou trabalhando e aos poucos vou percebendo meu corpo, meu equilíbrio, e cada vez mais notando que meu corpo não é só isso, não dá pra separar, desvincular, o nosso corpo do nosso axé. Quando não estou tão legal, sofro pra fazer meus exercícios de equilíbrio, porque é tudo um só e eu preciso trabalhar tudo, evoluir em cada parte que compõe o todo. Não adianta eu ter um abdômen trincado e não ter equilíbrio, sem isso nem a ginga eu faço.

Sem equilíbrio eu não subo numa bananeira. E caramba que luta foi pra subir numa bananeira rs. E é isso, cada coisa de uma vez, sempre tendo a consciência de estar se esforçando. Cada um tem o seu tempo, mas eu sei que eu preciso estar bem, me desenvolver o mais rápido possível para também ajudar o coletivo. Eu não sou eu sozinha, faço parte de um grupo de capoeira, um kilûmbu, e se eu não estou bem eu atrapalho o andamento do projeto.

A gente pode até sentir nosso corpo atrofiado, mas é uma escolha deixar nosso corpo assim ou então fazer algo a respeito. Isso para além da capoeira, se a gente está em um lugar, uma posição ou uma situação que nos desagrada e não fazemos nada então nós (que somos os principais interessados) aceitamos aquilo.

Cada calo na mão, cada roxo na perna, cada movimento que antes eu não conseguia fazer e agora consigo são sinais de que meu corpo tá saindo dessa coisa estática e cada vez mais desatrofiando.

Isso apenas da parte de movimentação, mas desde a primeira vez que peguei no berimbau e vi como segurava foi só fascínio. A incrível coisa que é às vezes tá tentando fazer um toque e perceber que se você pensa muito você erra, ter a capacidade de aprender e se deixar levar. O seu corpo é preto, ele pede pelo movimento, e quando você acha que você que tá guiando ele na verdade ele mesmo tá te guiando, ele sabe como fazer.

Desde o primeiro treino meu corpo mudou e eu sei que vai mudar ainda mais.

Desde que descobri que tava grávida eu falo pro nosso filho “vai se acostumando até onde der porque a capoeira é e vai continuar sendo parte de nossas vidas”.

E é isso que eu quero.

Tem uma galera querendo colocar o filho na escola cara de branco pra sofrer racismo, pensando que quer dar pro filho o que não teve. Eu quero meu filho no Ilé Ìfẹ́, aprendendo capoeira, sendo brabão, mais brabo ainda que o pai dele que já é brabo demais. Do que eu não tive é isso que eu quero dar pro nosso filho e pra nossa família, que a gente tenha a capoeira como base.

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