Conheça-te a ti Mesmo

Dessalín Òkòtó
revistaokoto
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3 min readFeb 18, 2021
Arte visual: Izaias Oliveira

Pagar 200 contos num psicólogo pra ouvir o que o hábito de ficar na própria companhia já ensinaria... bagulho esquisito. Se for pra pagar psicóloga — e acho válido em alguns casos —, vá pra catar entender coisas que não conseguiria entender sozinho, pow.

Boa psicologia não é aquela que diz o que se passa contigo. É meio esquisito alguém lhe conhecer melhor que você mesmo. Psicólogo bom é aquele que ensina a criar suas próprias ferramentas pra se conhecer melhor.

Mas, na real, vocês sabem que psicólogo é uma parada moderna que surge com uma dessas últimas fragmentações que a cultura europeia promoveu no ser humano, né?

A Revolução Industrial jamais se resumiu a dissociar a fabricação das coisas e fragmentá-las até virarem meras peças numa cadeia de produção onde uma pepita tá na China e o botão de ligar no Canadá. A Revolução Industrial forjou um tipo de ser humano completamente dissociado de si que vai se utilizar de um montão de artifícios pra se rejuntar. As ciências que eclodem após a revolução industrial (psicologia, pedagogia, antropologia, sociologia, e por aí vai) não são só "especializações" de um conhecimento técnico. Mas tentativas europeias de rejuntar o que a máquina europeia picotou.

Nós que somos pretos, nós precisaríamos de psicologia, de pedagogia, de sociologia, de antropologia? Não, porém depende. Se for pra lidar com a nossa alma apenas pelo vetor de embranquecimento, melhor não. E o que mais tem por aí é gente se vendendo como "psicóloga preta", "psicólogo afrocentrado", mas você vê que só tá fazendo, mesmo, é sincretismo de Jung e Orixá, de cognição e mutuê, como se fosse tudo uma questão de tradução, de aproximação, de nomeação. Agora, se o bagulho é fazer valer toda a dinâmica espiritual própria das pessoas africanas, como ela interaje com os atravessamentos da colonização branca e, principalmente, quais as ferramentas espirituais e culturais que nosso berço nos dá, aí a parada começa a ficar boladona. Aí o caô fica interessante. Duvido nada que sequer "psicologia preta" caiba dizer.

Pois aí a gente não tá falando só do Rio de Oxum, mas também da Forja de Ogum. Não estamos falando só de dor e resistência, mas também de fúria e vingança. E sem medo de ser feliz. Sem medo de bancar essas forças. Forças que também são nosso axé.

E axé é vida.

Quando eu olho os templos de Kemet e exercito imaginar como era o dia-a-dia daqueles salões repletos de imagens, símbolos e estátuas nos ensinando a ser Ser Humano em plenitude, uma brisa que já tive é como eles são uma exteriorização disso que chamamos de "vida interior". Alguns têm barracos, outros têm studios, mais outros têm templos. Ter templo nesse paradigma Kemético é acima de tudo ter um arco em hirte que vai do passado mais remoto ao futuro mais longínquo fazendo do espirito a encruzilhada do presente.

O tal do "Conhece-te a ti mesmo" é papo kemético do Templo de Khonsu (Karnak). É de Delfos, não. "Conhece-te a ti mesmo" é o princípio básico de se viver com sabedoria. E não é possível ser feliz sem sabedoria. Mas sabedoria não é entendimento e conhecimento. Isso tudo é instrumento. Sabedoria é axé de comungar com o mundo enquanto comunga consigo mesmo. Raramente gozei desse estado. Babado vai ser viver nele a cada novo passo.

Pagar 200 paus pra ouvir alguém me dizer aquilo que eu conseguiria entender sozinho se cultivasse a conversa comigo mesmo é osso. Se for pra ir em um psicólogo, não é pra saber sobre si, mas pra saber saber sobre si. Que nem foi a minha de tantos anos. Tanto que, não mais "indo", jamais deixei de "estar em terapia". Pois o árduo trabalho de autoconhecimento e autorrefazimento jamais cessou. E jamais cessará. Se cessar, é porque desisti de viver. E onde não há vida, sequer dá pra morrer.

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Dessalín Òkòtó
revistaokoto

Querendo ser educador para melhorar minha comunidade, sentei para aprender e agora levanto para também ensinar.