Corpo e Movimento

Akinwunmi Bandele
revistaokoto
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4 min readJan 3, 2021

Obatalá e Olodumare, antes de criar a humanidade, criaram primeiro Exú. Orunmilá quando viu Exú na casa de Obatalá ficou com vontade de tê-lo como filho, mas deveria voltar daqui há um mês porque aquilo que ele tinha visto era só uma experiência. Orunmilá ficou indignado e, de tanto insistir, Obatalá cedeu a vontade dele e instruiu para que colocasse as mãos na cabeça de Exú e que ao chegar em casa fizesse sexo com sua mulher. Doze meses depois a mulher de Orunmilá deu a luz a um filho e Obatalá já havia dito que seu nome seria Alágbára, Orunmilá resolveu chamá-lo de Elégbára. Assim que seu nome foi pronunciado, a criança começou a chorar e dizer: “Mamãe, eu quero comer preás". Mesmo após Yebìirú, sua mãe, dar de comer a seu filho, continuou com fome, era insaciável e começou a comer todas as aves, peixes, quadrupedes e quando acabou com todos os animais no mundo comeu sua mãe. Orunmilá assustado consultou um oráculo que recomendou fazer um ebó que consistia em uma espada, um bode e catorze mil cauris.

Orunmilá se aproximou de Exú que chorava de fome e o cortou com a espada em duzentos pedaços e cada pedaço se transformava em um novo Yangi (um novo Exú) e assim foi se espalhando até o Orun. Enfim, Exú propôs um pacto a Orunmilá, dizendo que Yangi seria sua representação e Orunmilá poderia consultá-lo sempre que precisasse para realizar trabalhos e se ele quisesse recuperar sua esposa e os animais que ele devorou, deveria ser sempre alimentado primeiro. Orunmilá concordou e Exú vomitou tudo que comeu. Exú que continuou dividido em várias partes, passa a fazer parte de cada ser vivo criado no mundo, ou seja, todos os seres no mundo são acompanhados por seu Exú.

A partir do que foi contado nesse itan, percebemos que a trama toda se desenvolve no momento que Orunmilá não faz o que Oxalá recomendou em relação a escolha do nome, e quem tá ligado sabe que tudo com Exú é na reciprocidade, um ebó mal feito é o mesmo que não fazer o ebó e quem não faz o ebó não dá pra reclamar das consequências. No fim da história conta que cada um de nós tem seu Exú. Exú é corpo, então significa que somos donos do nosso próprio caminho. Exú também é movimento e se movimentando que vamos descobrindo quais os caminhos certos e errados. Então quem não se movimenta, não cultua Exú em sua essência. A fé cristã é usada como instrumento de castração dos nossos saberes africanos. Dizendo que um Deus olha por nós e que se algo acontecer ou deixa de acontecer com um de nós individualmente, foi porque “Deus não quis". São ensinamentos que barram nosso progresso.

Exú Òkòtó

Òkòtó é um caracol em espiral com uma base em forma de cone, que conforme se expande, mais abre a sua circunferência. Sua evolução é constante e infinita. Òkòtó é cultuado junto Exú. Isso explica a dinâmica de que Exú é UM multiplicado ao infinito. Como citado no primeiro itan, cada ser tem seu Exú. Então, somente UM é necessário para que haja evolução.

Kilûmbu Òkòtó – Organização

Na nossa Escola de educação em dinâmica racial temos como base a pretagogia. Dentro de uma perspectiva antirracista, sem a espiritualidade, intelectualidade e corporeidade não há progresso, nem como indivíduo e nem como coletivo. Uma organização precisa de propósito e esse é o nosso, capacitar homens e mulheres negras nessa luta usando o que há de africano.

Entendemos que com a pretagogia de Exú já estamos trabalhando os três pilares da Organização.

Um corpo que desenvolve esses três pilares é um corpo em movimento, está se desenvolvendo. O Kilûmbu Òkòtó foi criado por uma pessoa que encontrou uma outra pessoa e assim foi desenvolvendo até chegarmos ao que é hoje é como a história de Exú Òkòtó onde UM se multiplica. Uns ficam pelo caminho, mas até os que ficam pelo caminho podem levam a bagagem ensinada dentro do Kilûmbu e criar um novo projeto. Isso faz com que os trabalhos não parem, a sua evolução é infinita. Logicamente o Òkòtó é o que é graças a outras referências que fizeram muito pelo nosso povo no passado, e estes também fazem parte dessa espiral.

O movimento é o sentido de tudo. Nosso Kilûmbu hoje tem aproximadamente setenta colaboradores, setenta pessoas multiplicando e agregando conhecimento pra outras a sua volta e assim seguimos com projetos para educar nossas crianças, nossos mais velhos a quem devemos muito respeito e honramos sua ancestralidade. Conhecendo e repassando a história do nosso povo adiante, tanto no continente quanto na diáspora é a única forma de evolução constante, esse é o nosso ciclo, infinito.

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Akinwunmi Bandele
revistaokoto

Estudo e leciono História no nosso Instituto de História da Áfrika e sua diáspora do Kilûmbu Òkòtó.