Culto ao ancestral

Bàbálóore Ọmọwale Apókan Òkòtó
revistaokoto
Published in
3 min readOct 20, 2022

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Os de lá e os daqui

Nossa ligação biológica com os ancestrais por meio dos elementos genéticos são nada mais nada menos do que a manifestação espiritual desse laço. Possuir traços genéticos que nos fazem semelhantes àqueles que vieram antes de nós não se resume a características físicas. Até porque, junto com essas, existem também às características temperamentais e comportamentais, o que só reforça a permanência da energia ancestral em nós.

A espiritualidade Afrikana tem como base o culto à ancestralidade. Seja em qual das diversas culturas Afrikanas for (e aí tá mais um ponto que reforça a unidade cultural Afrikana. Unidade na diversidade). O culto à ancestralidade é totalmente consciente no sentido de que o Afrikano sabe exatamente que está prestando culto a seu ancestral.

Bom… Pelo menos todos nós deveríamos ter essa [cons]ciência. Mas o deslocamento provocado nesses quase 500 anos deixou muitos dos nossos afastados da sua própria consciência. Mesmo aquele que pratica, das mais diversas formas, no continente ou na diáspora, atividade religiosa de matriz original.

E esse é o ponto. Devemos trazer a ancestral pra mais perto de nós. Pro nosso dia à dia. O ancestral permanecerá entre nós a medida que cultuarmos sua existência e sua energia. O papel do ancestral é nos balizar a fim de que nossa jornada se dê de forma mais equilibrada possível. Pra isso, a energia ancestral precisa permanecer viva e vibrante em nós. Isso não se dará apenas por meio de práticas rituais dentro de uma formatação religiosa. A memória, a repetição gestual, a preservação dos ensinamentos, o reconhecimento das características físicas, temperamentais e comportamentais são rituais de culto que devem estar presente em nosso cotidiano.

Via de regra, na prática religiosa de matriz Yorùbá, Èṣù é aquele que deve ser louvado, reverenciado e alimentado primeiro.

Quando do meu retorno ao meu pra cá pro Ilé há uns 15 anos atrás (já contei essa história de forma resumida por aqui ou na minha TL. Qualquer dia disseco melhor sobre isso), minha tia que é minha Ìyá, ao me ensinar os procedimentos a serem tomados quando da chegada no terreiro, me passou a ordem das saudações que eu deveria fazer.

Nessa ordem, ela me instruiu a ir primeiro saudar os ancestrais diante do Ilé Abó Aku e só depois disso ir saudar Èṣù e dali seguir com as demais saudações.

Na hora me deu uma bugada… “Mas não é Èṣù o primeiro a ser saudado, reverenciado, alimentado…” pensei cá comigo. Me questionei mas não a questionei, pois não sou bobo rsrs. Mas por muito tempo fiquei com isso na cabeça, sem entender bem o porquê.

Depois que a compreensão chegou, tudo pareceu muito óbvio. Ora… Assim como é necessário que tenhamos total alinhamento com nosso Orí para alcançarmos qualquer intento em nossas vidas, é fundamental prestarmos reverência aos nossos ancestrais. Pois eles são o elo de ligação que possuímos com qualquer outra força propiciadora de àṣẹ.

E pensando nesse processo de aprendizado, não podemos perder vista o valor que se deve ao ancestral materialmente vivo, pois é por intermédio dele que alcançaremos o entendimento necessário pra compreender todo o resto e, de fato, é essencialmente por meio deles que alcançaremos todo o resto.

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