Fora do eixo

Marina Piedade
revistaokoto
Published in
3 min readAug 28, 2021
Por Acácio Òkòtó

Curiosamente, ou não, um tema que sempre vem à tona durante as trocas para os trabalhos do Famaad é a Morte. Curiosamente, ou não, esse assunto sempre retorna de tempos em tempos e nos serve de guia para pensar nos trabalhos.

Nas cosmogonias africanas, a noção de dualidade de uma forma geral não faz sentindo, as coisas se estabelecem de forma cíclica, o bem não é oposto do mal, mas os dois fazem parte de uma mesma coisa, tal como vida e morte. Mas aqui no ocidente a morte é tratada como algo quase que pornográfico, algo ruim que não se pode falar sobre, algo que não se pode ver, um evento deslocado do nosso contexto de vida. E isso nos ferra, porque é um pensamento que nos afasta do nosso eixo, da nossa espiritualidade, não estou dizendo que a vida é descartável nem que vivemos nas condições ideais para pensar nessa parada, o que estou falando é que nossos ancestrais já tinham noção da importância de ritualizar e respeitar não somente a morte mas o morto em si, de lidar com a morte não como oposição a vida mas como algo que faz parte dela, porque isso nos atravessa numa dimensão espiritual. Aqui no Ocidente nós estamos constantemente. sendo deslocados daquilo o que nos guia, nos nutre e nos protege, nossa cultura, nossos rituais, nosso sistema imunológico para sobreviver não somente de maneira física mas espiritual.

O que me salta os olhos sempre que falamos de morte, é como ter nascido, crescido e sido educados na diáspora nos faz ter um olhar cristianizado para tudo aquilo que desvia do consenso ocidental, independente de quereres, independente de acreditar já ter passado dessa fase. Percebi isso durante algumas leituras para as lives das 22hrs, que dependendo do livro ou texto, meu olhar já colonizado e cristianizado ( muito menos do que no passado) era a minha primeira reação, isso me fez refletir sobre como a imersão numa cultura e sociedade que não corresponde a nossa nos deixa desequilibrados, e também da importância de vigiar aquilo que consumimos, como alimentamos nossas cabeças e como existe uma dimensão interna de algo que faz parte de nós mas que não necessariamente podemos controlar. Esses papos são mó viagem, só quem está nas reuniões do Valongo para o Famaad sabe o tempo que duram essas trocas, mas que são fundamentais pra gente se rever e se aperfeiçoar, ter um olhar mais calibrado, mais malandro pra tudo aquilo que vemos e percebemos, é muito importante e estou aprendendo agora que tudo tem camadas, como um iceberg, a impressão imediata pode ser apenas um pedaço de algo que por trás é muito maior ou que tem muitos outros significados.

E a capacidade de observar e analisar as coisas não somente a partir de como elas se apresentam para nós, mas além, é outro role, é uma parada que precisa ser exercitada, individual e coletivamente, é também sobre. a capacidade. de perceber o racismo para além, além do que acontece hoje, entender como o agora se conecta com o passado mas principalmente como ele está desenhando o futuro, esta trilhando o rumo de para onde as coisas estão caminhando. A gente enquanto comunidade precisa ser capaz de desenvolver esse tato em relação ao racismo, isso é importantíssimo quando se fala de organização de nação, é como capoeira, a capacidade de saber as respostas antes da pergunta e estar preparado para elas. De saber fazer essas análises e a partir delas sermos nós a definir do que devemos nos afastar, do que não nos serve e do que devemos nos (re)aproximar, aquilo que nos é fundamental.

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