Zezi Masomakali
revistaokoto
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4 min readAug 2, 2021

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Dê o tempo de presente

Ilustração Izaiasd Oliveira

Desde que passei a ter conhecimento sobre as coisas do meu povo, digo, do nosso povo, algo vem me chamando atenção.
Essa talvez até mais que outras.
Desde que ouvi sobre as várias cosmogonias, fiquei me perguntando como deve ter sido criar algo tão grandioso.
Cada um a sua forma, história e com suas particularidades, mas eram os mundos sendo criados naquele momento gente, não tem como não se emocionar.
Enfim, o ponto não é a criação em si.
Fico imaginando se Orunmilá quando criou o mundo, já tinha consciência de que antes teria que criar Esú.
Tento devanear sobre Ísis, se quando ela partiu no resgate do corpo de Osíris para que o Kemet fosse criado, sabia que o resultado dessa jornada antes passaria pelo nascimento de Hórus.
E tentar desenhar esse tipo de coisa na mente não é papo de maluco.
Pensa só:
Tem gente fazendo coisa nova todo dia, e toda ação tem sua reação. As vezes miramos no resultado mas muitas vezes não botamos reparo nos subfrutos que o plantio causou.
Ora vamos, você já deve ter entendido o que quero dizer.
Será que damos valor ou sequer observamos todo o pequeno acontecimento no caminho, aquele que mesmo não planejado altera consideravelmente a jornada e o produto final do que nos propomos fazer?
Vamos com outro exemplo, na verdade o assunto principal.
O Òkòtó, esse mesmo que tu conhece aí, ele era inicialmente uma escola de capoeira. Um lugar para resgatar e despertar em pessoas pretas através de seus corpos. Só depois se tornou a Escola de Educação e Dinâmica Racial Kilûmbo Òkòtó, através dela haveria o desenvolvimento espírito-intelectual.
Só depois da Escola ser criada é que o Òkòtó pode dar luz ao processo do Entendendo e Dissecando, esse último virou também “a” Dissecando, a página que se é quase uma entidade independente. Ela acabou virando uma espécie de “lojão do tudo”. Hora servia como porteira pra não deixar qualquer um passar, hora fazia as vezes de local de provocação e a manutenção das relações, hora servia como arquivo ou acervo de tudo que acontecia, já serviu de termômetro para as relações, espelho pra vermos onde tá errado e foi até confete de festa quando demos risada e fazemos aquela zoeira.
Bem como o Economia de Kilûmbu, a inciativa de educação financeira para as pessoas pretas. Ela saiu da condição de espaço para informação e orientação, agora gere toda a questão de autônoma da qual tanto falamos. Entende? O objetivo dela era trazer algum conhecimento sobre finanças e economia e hoje ela é um vetor importante, era um ramo e hoje é a própria árvore.
O Ilé Ìfé, era uma função dentro das atividades principais para acolher as crianças enquanto os adultos mantinham um certo ritmo nas atividades, porque criança tem seu tempo. A gente chama de creche mas é apenas um jeito mais simples de chamar a escola de dinâmica e educação racial infanto-juvenil, um Òkòtózinho. Nela as crianças também são mestras, elas também orientam e guiam para onde devemos ir. Deixou de ser uma semente, virou fruto, hoje já é muda.
O FAMAAD que tinha por objetivo ser a frente de manifestações culturais revelou grandes talentos. Novas capacidades foram descobertas e o princípio da autonomia foi aplicado com maestria.
A história vem sendo resgatada como quem recobra a Memória de Kilûmbu. Era pra contar as nossas próprias coisas, narrar os momentos importantes e no caminho já tem curso na pista pra que saibamos quem fomos e de onde viemos.
E eu nem citei tudo…
Como explicar isso?
Nem todo ramo cresce e se desenvolve bem, os que conseguem são totalmente dependentes do tronco principal e da raiz. Poucos chegam a dar flor pra virar fruto e dar a semente pra virar uma muda.
Nada disso que foi feito no Òkòtó, os projetos e frutos extras nenhum deles foram golpes de sorte. É fruto de muito trabalho duro, esforço, repetição e visão.
Constantemente eu penso o que possuem em comum e como deve ter sido o momento em que Orunmilá, Ísis e todas as pessoas que construíram o Òkòtó viram seus planos tomarem além do rumo certo, um desvio que levou a um trilha ainda mais bonita que o caminho principal.
O quão desafiador e emocionante esses pequenos caminhos lotados de surpresa se mostraram e como todas essas pessoas não se incomodaram diante disso.
Não consigo não me sentir importante de ver algo tão grandioso acontecendo.
Mesmo com um pouco de medo e de me sentir um grãozinho nesse mãe são eu só posso me sentir agradecida por poder viver pra ver e fazer parte da história sendo escrita.
Não consigo me aquietar sabendo que estamos criando algo que pode vir a ser tão importante para os nossos sucessores como outros episódios importantes da história são pra nós nos dias atuais.
Somos o produto das nossas ações, imperfeitos, em preparo, ainda acontecendo. Nosso corpo jamais voltará a ser o mesmo bem como nossas mentes e espíritos. O que fizemos não pode ser desfeito e creio que tampouco pode ser esquecido. O que acreditamos jamais se apagará ou será esquecido.
O Òkòtó é o campo e Exu faz nossa colheita ser farta.
Ele nos acompanha e permite que a energia nos transpasse para que os ciclos ocorram. É o nosso convidado de honra e senta à cabeceira de nossa mesa.
O agora é de fato um presente, não só dentro da condição de tempo. Perdoe o trocadilhos infame.
Um presente não tem preço, dinheiro algum compra.
O tempo é um bom presente para o nosso aniversariante.
Vida longa ao Òkòtó. Vida próspera ao Òkòtó.

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Zezi Masomakali
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Pretinha, Okotoshica, filhota mais velha do KZP, a sede caçulado Okoto que fica em BH- MG.