Das lições dos Antigos

Akínwálé Òkòtó
revistaokoto
Published in
3 min readSep 13, 2021
Arte: Izaias Oliveira

Por cerca de 5000 anos, foi proibida a entrada de gregos em Kemet para fins de educação e formação, como nos ensinou George G. M. James. Até o reinado de Psamético I, de 664 a 610 Antes da Era Comum, não era permitido aos gregos ultrapassar a costa do Baixo Egito, no Delta do Nilo. Significa que não podiam seguir continente adentro rumo às terras do Alto Egito.

Kemet era o maior polo educacional, civilizacional, espiritual do mundo. Heródoto mesmo descreveu como Templo do Mundo. Os vários templos, como Heródoto mesmo documentou, abrigavam bibliotecas sagradas e, neles, funcionava um complexo e rigoroso sistema educacional.

No tempo de Psamético I, os antigos Afrikanos de Kemet já haviam concedido a alguns grupos de povos estrangeiros acesso ao seu sistema educacional, mas gregos, não. As práticas de pirataria dos gregos, principalmente os vindos de Jônia e Cária, eram conhecidas dos Afrikanos antigos. Era, portanto, necessário proteger o sistema dos Mistérios, como chamavam seu sistema científico-espiritual, desse tipo de apropriação profanadora, desrespeitosa e destrutiva.

Mas, como há sempre quem faça o papel de seduzido(a), de “crente”, essas restrições migratórias começaram a ser suavizadas sob reinado do Faraó Amósis II, um amante dos gregos (um fileleno), que reinou de 567 a 526 AEC.

Se desde 670 AEC, os gregos já haviam sido admitidos em parte do território, na condição de mercenários a serviço das forças de defesa de Kemet, com a nova política de migração sob o comando de Amósis, eles passariam a ter acesso aos templos, às bibliotecas e aos sacerdotes da Ciência dos Mistérios Kushita-Kemética. A guinada pró-gregos, pró-euroasiáticos, pró-brancos não parou por aí, Amósis autorizou ainda que gregos construíssem um assentamento na cidade de Náucratis.

Com a invasão persa, no apagar das luzes de seu reinado, desfecho de batalhas em que Amósis II se viu traído pelos gregos que tanto apreciava, traído inclusive pelos “patente alta” em suas forças de defesa, a devassa e pirataria nos templos, palácios e bibliotecas tomou outra proporção. Entre os espólios da pilhagem, além do ouro, prata, marfim e tributos, estavam os livros sagrados. É nesse momento que se dá livre curso ao tanto de reprodução não autorizada de um conhecimento tradicionalmente transmitido em base oral, iniciática, ao passo de muitos anos. Era proibida a cópia e reprodução dos livros sagrados. Esse é o embrião do que viria a mais tarde se intitular filosofia grega, na base do plágio, da tradução não autorizada e do roubo.

Da matemática de Pitágoras, da teoria dos 4 elementos de Thales de Mileto, ao materialismo de Epicuro, ao idealismo de Platão, ao judaísmo, ao islamismo, passando por uma série de pilares da ciência moderna (astronomia, matemática, engenharia, pesquisa fundiária, mensuração, teologia etc.), o que se tem são versões reduzidas, distorcidas e corrompidas da Cosmogonia e da Ciência dos Mistérios dos Kushita-Keméticos.

O centro de pesquisa de Aristóteles foi erguido em cima de templos e bibliotecas pilhados e queimados, quando da invasão dos Macedônios, sob o comando Alexandre cerca de dois séculos depois. A trajetória desses saberes Keméticos em redução, distorção e corrupção para o que viria ser chamado de ocidente foi documentado por alguns Afrikanos do Continente e da Diáspora, a principal referência sendo Cheikh Anta Diop.

Uma das muitas lições políticas que a história escrita por Afrikanos desenham para nós, da antiguidade ao tempo presente, é a seguinte: se os grandes da Antiguidade, os iniciadores da civilização na história da humanidade não conseguiram educar, civilizar esses povos da família dos caucasianos — ou seja, os eurasiáticos, os povos brancos e brancos-mestiços — , o que te faz pensar e agir como se você, a esta altura, fosse conseguir educar, civilizá-los? Sem uma fração mínima da infraestrutura política, social, científica, espiritual, cultural, militar que os Grandes e as Grandes da Antiguidade detiveram, o que te faz crer que vai educá-los, civilizá-los? O que te faz crer que essa seja a tarefa da sua geração? Sério mesmo, em respeito à memória dos antigos, como a do próprio Amósis e como a de Amanirenas, responda aí para você mesmo. Qual é o sentido de investir tempo, recursos, energia e afeto nisso?

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