De volta para a Terra

Dada Adjoa Òkòtó
revistaokoto
Published in
6 min readFeb 23, 2021

Você já se perguntou como funcionam os pombos-correios?

O pombo possui em seu bico cristais de magnetita, um material altamente magnético que funciona como uma espécie de ímã, permitindo que ele se oriente pelo campo magnético da Terra. É como se ele tivesse, na cabeça, uma bússola interna que o permite sempre retornar para casa.

Então assim, se eu te dou um dos pombos que eu crio, pra me mandar uma carta basta soltá-lo de onde você estiver, que ele vai voltar para mim. Ele sempre volta pro lugar de onde veio. Aí, se você me der um dos seus pombos, eu poderei respondê-lo. Essa é a ideia.

Essa capacidade de se orientar magneticamente de volta pra casa é muito interessante. Fico pensando na sutileza das coisas… A magnetita é formada por moléculas de ferro e oxigênio, assim como a hematita presente nos solos . A interação entre Ferro e Oxigênio também é responsável pelo transporte de oxigênio da nossa respiração para o corpo. É o ferro presente na hemoglobina do sangue que distribui a energia vital de Shu para todo o nosso corpo.

Estava refletindo sobre o magnetismo da Terra, o ferro presente na magnetita do bico dos pombos, o ferro presente na hemoglobina do sangue e na hematita do solo. Será que não pode ser a Terra a nossa orientação de retorno para casa?

Asase ye duru é um adinkra que diz “A Terra tem seu peso”. E tem! Não é exagero dizer que a terra sustenta a vida, que orienta a vida. É sim no solo que as plantas fincam raízes e retiram nutrientes para transformar a energia do sol em alimento para o planeta, mas a terra também sustenta a vida para além disso.

Ilustração: Lisimba Dafari

Às vezes me deito no chão, na pose de Sahu (pose da múmia, no yoga kemético) num exercício de permitir que, em cada movimento de expiração, meu corpo relaxe de todas as tensões musculares, desde os dedos dos pés até o couro cabeludo e se entregue totalmente para o chão, para a Terra. Nesse momento eu entendo que todas as tensões que a ansiedade da vida moderna coloca sobre mim, eu posso entregar para a terra, pois ela tem um peso e que ela suporta a vida. É um exercício que me preenche de um sentimento de unidade, é como se meu corpo fosse um imã que se unisse com o chão. Isso também tem acontecido com os treinos de movimentos da capoeira angola, que me fez voltar para o chão. Não é, inicialmente, um sentir gritante, mas sim uma sutileza.

É verdade que na vida moderna desaprendemos a ouvir as sutilezas. Só vemos quando tem luz e cor demais, ouvimos o que fizer mais barulho, sentimos cheiros forte demais (como as essências sintéticas que dão dor de cabeça e alergia), o sabor tem que tá carregado de doce, de tempero e sal, então abusamos de açúcar, sal e realçadores de sabor (como a neurotoxina glutamato monossódico). A nossa atenção é muito disputada por inúmeras distrações.

Uma vez, uma sobrinha de 6 anos me pediu um copo de água e eu dei. Logo em seguida ela me disse: “Tia, beber água é muito bom! Às vezes eu estou irritada e não sei o porquê, aí eu vou, bebo água e fica tudo bem de novo!”. Eu achei incrível a consciência que ela tem da sutileza da desidratação no seu corpo. Você também consegue ouvir seu corpo assim? O que mais será que desaprendemos a ouvir e perceber?

O mal estar causado por um , os efeitos do açúcar no corpo, a bunda mostrando quanto mais se abaixa pra caber em espaços brancos, podemos sentir… Nós podemos intuir nossos cuidados e intuir o caminho de volta para casa, num movimento de Sankofa e a Terra, com certeza, tem papel fundamental no processo.

Voltar a sentir/ouvir a terra pode ser um desafio na vida de concreto, talvez por isso estejamos também tão desconectados do espírito. É uma doidera pensar que estamos sempre acima da terra, calçados, cimentados, em cima de móveis e com a ideia comprada de terra ser sujeira. Marimba Ani nos fala sobre esse processo de yuruguzação, de fragmentação que nos exterioriza da unidade. Eletricidade e magnetismo são a mesma força. É movimento e ordem. Talvez a energia para a reconexão esteja bem de baixo dos nossos pés, na Terra, nos orientando de volta para casa, assim como o pombo. A questão é: estamos dispostos a ouvir?

Uma forma de retomarmos o cuidado e exercitar ouvir o que a terra tem para nos dizer é plantando nosso próprio alimento. Então, vamos plantar? Trouxe aqui de sugestão o manjericão, que é uma erva aromática versátil, de fácil cultivo tanto no quintal quanto no apartamento.

1º passo: Planejamento.

Escolha o local do cultivo de acordo com a luz do Sol. O manjericão e as hortaliças, de uma forma geral, precisam de, no mínimo, 4 horas de sol direto.

2º passo: O vaso.

Para cultivarmos hortaliças, precisamos de um vaso com, pelo menos, 20 cm de profundidade. Podemos fazê-lo com garrafa pet, cano PVC e o que tiver de acesso.

!!!É importante fazer alguns furos na parte de baixo para que a água possa ser drenada!!!

Dica: se o vaso escolhido for de cerâmica, é bom deixá-lo submerso em água por 24 horas, para que ele não puxe a água da rega depois.

3º passo: O substrato.

É importante reproduzir a estrutura do solo no vaso. É preciso uma camada de drenagem (que representaria o lençol freático — para onde a água vai escorrer, impedindo do substrato ficar encharcado). Essa camada pode ser feita com cascalhos, brita, bandeja de isopor picotada, argila expandida ou carvão (essas três últimas opções deixarão o seu vaso bem mais leve). Depois pode-se adicionar areia até cobrir essa camada de drenagem ou colocar uma “manta” de drenagem, que pode ser feita com um pedaço de tecido TNT, jornal ou filtro de café usado. Em seguida se adiciona o substrato.

Existem várias opções de substrato nos mercados, porém podemos montar um bom substrato, sem custo, com terra normal de barranco (colhida a uns 20 cm de profundidade — para evitar outras sementes de grama, pedras e outras coisas), areia de construção (!!!não pode ser areia da praia por conta do sal!!!) e terra preta/terra vegetal, que é a terra da composteira, terra do chão das matas formada pela decomposição de folhas e cascas vegetais. Você também pode misturar essas cascas na terra de barranco, para que ela se torne mais nutritiva.

Receita de substrato: 1 parte de terra de barranco + 1 parte de areia + 1 parte de terra preta.

4º passo: a germinação e plantio:

Faça um berço de 1.5 cm de profundidade e adicione umas 3 semente no substrato. Cubra com terra e regue. É importante, durante a germinação, manter o substrato sempre úmido, mas não encharcado. É uma boa regar duas vezes ao dia: uma de manhã e outra no fim da tarde. Para plantas jovens, uma vez ao dia, e as adultas de quatro a cinco vezes por semana. Em 7 dias (a depender do clima da região) o manjericão começará a brotar.

5º passo: Cada um colhe o que plantou!

Dentro de 8 a 10 semanas você já poderá colher folhas do seu manjericão para temperar suas refeições e sucos e fortalecer seu sistema imunológico e respiratório e ajudar na digestão! As moléculas aromáticas do manjericão harmoniza o inconsciente e o consciente, integrando pensar, sentir e agir. Traz também equilíbrio entre o individual e o coletivo e é muito saboroso!

Sankofa nos diz que nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás. Um dos seus ideogramas é uma ave olhando para trás. Voltemos para a terra, para o chão. É lá que tudo começa.

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