Empatia é o mínimo do mínimo

Barbara Lewis
5 min readMar 19, 2018

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Alguns dias atrás aconteceu algo comigo que gostaria de dividir com vocês. No meio da correria da semana precisei resolver algumas coisas no centro da cidade do Rio de Janeiro. Ao chegar ao Hall do prédio comercial apertei o botão para chamar o elevador. Bom, até aí tudo bem, né? Parece ser algo simples para pessoas que precisam ir até um andar alto e não pretendem fazer isso andando.

Enquanto eu aguardava o elevador, o porteiro do prédio se aproximou e falou para eu ir pelo elevador de serviço. Inicialmente eu pensei “o elevador de serviço deve chegar primeiro e por isso ele sugeriu” (Pensei, mas não sai do lugar). No mesmo momento, um rapaz com pilhas de garrafas de água em um carrinho passou para frente do elevador de serviço. O porteiro, já ao meu lado, repetiu para que eu fosse em direção ao elevador de serviço. Com a incrível paciência que Jah me deu, falei para ele que eu não estava com pressa e que eu poderia esperar por outro elevador.

Para qualquer diálogo normal a minha resposta seria suficiente para que ele parasse insistir em sua fala, mas ele não parou e disse mais uma vez. Rapidamente eu pensei “ele vai ficar falando aqui do meu lado, então é melhor eu subir de escada”. Assim fiz, subi três degraus da escada, mas por uma sinapse de neurônios de um rápido pensamento eu parei. Meus pensamentos foram “Por que eu estou subindo as escalas para ir ao quinto andar, sendo que eu estou super cansada depois de correr pelo centro quase o dia inteiro?” “Por que essa insistência sem fim de eu ir pelo elevador de serviço quando já disse que não tenho pressa em esperar outro elevador?”. Então voltei e parei na frente do elevador social. O elevador social estava mais próximo e o de serviço para mais do décimo andar e subindo. Pensemos aqui juntos: Problema resolvido! Agora… Tentem imaginar quem voltou para falar do elevador do serviço? Como eu disse ao longo do texto eu estava cansada, mas pacientemente repeti minha fala “Não estou com pressa, posso esperar o elevador que eu quiser”, o querido amigo respondeu “Os elevadores são iguais, é tudo igual aí”. Eu falei “Concordo com você, são iguais, iguaizinhos, mas um é social e outro para serviço”. Nessa o amigo veio com a fala ríspida e como minha paciência é limitada eu falei em alto, com bom tom e devolvendo a rispidez “ Porr@# já falei que não estou com pressa, cacet&! Pego a porr@# do elevador que eu quiser!” Ele então parou de falar, ficou resmungando e assim que o elevador social chegou entrei nele sem olhar para trás.

Esses “impasses” e “pedidos” em prédios comerciais não são raros, recordando da memória lembro que Jorge Aragão já cantava sobre isso há alguns anos atrás “Elevador é quase um templo… Sai desse compromisso, Não vai no de serviço! Se o social tem dono, não vai”. Então quando nós negros adentramos a lugares como este sabemos que podemos esbarrar com esse tipo de atitude.

Jorge Aragão

Mas Bárbara, você vai escrever toda vez que sofrer um constrangimento? Toda vez que um segurança te parar, que uma lojista não te atender, toda vez que alguém te destratar? Não, a resposta é não. Eu não quero falar sobre o comportamento de racistas que esbarram comigo no meu cotidiano, o que quero falar é do comportamento dos meus amigos ao ouvirem esta história… E aí caros leitores que a história começa.

Quando comentei com meus amigos que são pretos, eu recebi conforto, vontade de mudança e carinho. Foi bom sentir que eles queriam me fortalecer e de certa forma me amparar. As frases que ouvi foram como “Nossa que absurdo” “Falou com algum responsável?” “Que chato, sei como é isso, já aconteceu comigo no prédio tal” “Isso só irrita a gente, mas mantenha a força nega” Acredito que esse carinho e preocupação ocorra por eles conhecerem o problema e entenderem o quão racista é o nosso país.

A minha frustração se deu quando, por equivoco, fui partilhar o acontecido com meus amigos brancos, pois o tom foi de descrença e indiferença “Aaaa agora vai dizer que ele estava te perseguindo” “O porteiro era racista?” “E qual o problema de usar o elevador de serviço?”

“E quando eles dizem: Mas isso acontece comigo também”

A partir de exemplos como o que narrei e nessa diferença de tratamento que recebemos dos amigos que percebemos o quanto as pessoas brancas ainda tem dificuldade em se sensibilizar com a dor e problemas sofridos pelas pessoas negras. Sempre tentei ser entendida pelas amizades que tenho de anos, mas infelizmente, algumas conversas tornam-se um processo bem desagradável para mim. Por isso, por tantos anos, mesmo passando por situações racistas optei por não partilhar as histórias com amigos brancos, muitas vezes preferindo o silêncio.

No Ciclo de Encontros Dissecando o Racismo- O Racismo dos Bem Intencionados ocorrido em fevereiro foi discutido como até as pessoas brancas que dizem querer ajudar o Movimento Negro ou a lutar contra o racismo não conseguem reconhecer ou abdicar dos privilégios que têm em relação às pessoas negras. Publicado na revista Òkòtó, o texto de Higor Linhares também aborda o tema, dando dicas e sugestões de como pessoas brancas podem diminuir os comportamentos racistas.

Essa percepção do comportamento dos brancos em negar o racismo e dificuldade que enfrentamos ao conversar com eles é algo que, em alguma fase da vida, as pessoas negras se deparam. No artigo da Reni Eddo-Lodge para o The Guardian (artigo este que leva o mesmo nome do livro escrito por Reni) a autora deixa bem escuro a reação dos brancos ao conversar sobre o racismo e faz um paralelo bem interessante sobre o racismo estrutural que os favorece como grupo privilegiado socialmente.

“Eles nunca tiveram que pensar o que significa, em termos de poder, serem brancos, então, sempre que eles são vagamente lembrados desse fato, eles interpretam isso como uma afronta” Reni Eddo-Lodge

Bom… Acho que complementando o que os texto dos Higor e da Reni já deixaram bem escuro… Quando alguma pessoa branca me pergunta como poderia ajudar a diminuir o racismo, acho que o básico do básico seria pelo menos praticando a empatia entre as pessoas pretas com quem se relaciona. Ouvir mais que falar, evitar contar uma história sofrida para dizer que também sofre na sociedade e parar com esse comportamento de negação do racismo que só atrapalha o meio de campo, até mesmo porque, sabe como é né, empatia é o mínimo do mínimo para uma boa relação de respeito.

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