Entre o palmiteiro e o capitão do Mato

Kandimba Onirê Kumola Yakô Òkòtó
revistaokoto
Published in
4 min readAug 2, 2022

A real é que nós pretos não palmitamos por falta de opção preta. Num existe preto preterido por preto que vira preferido de branco. A gente palmita procurando uma opção preta que seja tão branca quanto a gente no nosso limite. A gente palmita pra não ter que melhorar, que evoluir, que ser mais preto. A gente palmita pra se ver no branco, mesmo sendo preto. Pra nossas maiores fraquezas terem base. Pros nossos traumas serem aconchegados. Pra 500 anos de escravidão não doerem tanto pq agora somos todos iguais. Palmitagem é venda nos olhos de quem se vê branco sendo preto. Só vira preferido do branco quem preferiu o branco. Só é preterido por preto que preteriu sua própria raiz preta.

É igual o Òkòtó fala, ser preto no meio dos pretos é fácil. Dizer que é mais consciente que os pretos da quebrada alienados lá pq leu intelectual preto da faculdade é moleza. “Tudo burro sem consciência, sou o preto mais foda daqui”. Difícil é ser preto no meio dos brancos. Difícil é querer fazer quilombo quando quer ser preto da casa grande. Chega Lá, pitbull vira lessie, Leão vira Hello kitty, e pretão militante consciente vira capitão do Mato. O espelho cobra. Sua consciência de leitura é inútil pros pretos e é ouro pros brancos. Edital, grupo de pesquisa, pós graduação e os Caraí. Os nossos assassinos te amam.

O palmiteiro culpa os pretos por sua palmitagem. Isso é básico da palmitagem. Os pretos não aceitaram ele como ele é, pq os pretos são burros alienados pobres sem estudo, e tão lá na favela cheio de problema que esse palmiteiro não quer enfrentar. Aí o que ele busca? O branco estudado desconstruído mentindo que ama preto. O branco que cita os intelectuais pretos e as brancas que leem feministas pretas igual eles. Os decoloniais. Os revolucionários. Pq ali no meio dessas raposas, como bem disse Malcolm X, ele se dá bem. Farinha do mesmo saco. No meio dos pretos da favela, ele se dá mal. Na base da espiritualidade herdada dos ancestrais ele ramela. Cita 10 intelectuais pretos e corre pros brancos. No meio dos assassinos da sua ancestralidade ele é o brabo. Ou seja, é assassino profissional de preto. Matou a si mesmo antes de tudo pra ficar no meio dos brancos. Os outros vão ser mortos de lucro ou de troco. Quem já tá morto só trabalha pra deixar outros mortos em volta e não ver que já tá morto.

Escola, relacionamento, amizade, o mesmo vale pra emprego. Quer trabalhar pra branco pq na lei do branco vc se dá bem. Pq na lei de matar preto, matar quem não tem a educação branca, você é linha de frente. Você mata o preto da margem antes de ganhar o emprego, aí vc colhe os frutos. Chama polícia e tudo. Expõe pras mina branca e os Caraí. Depois de ser capitão do Mato, você cola no rolê deles. É consequência, não é causa. É proceder, é precedente.

A diferença entre o palmiteiro e o capitão do Mato é só a época. Na época dos capitão do Mato, preto era estuprado ou então fazia o sexo consentido mas se esparrasse na casa grande, morria no tronco. Furavam os olhos, cortavam o pau, mutilavam a vagina, açoitavam até morrer. O palmiteiro pode gozar na sociedade branca do sexo ao emprego passando pela amizade e pelo dia a dia sem medo do tronco. Ou melhor, sabendo por no tronco quem tá mais pra margem pra poder sair de advogado do diabo. O palmiteiro é o capitão do Mato de hoje em dia. Se tiver um preto da margem e ele na reta, é ele que explica e dá exemplo do por que preto morre. Se fosse igual ele… tava lá gozando com os brancos de testa de ferro. Se fosse igual ele, tava com o chicote na mão.

O capitão do Mato também precisava comer e morar. O policial também precisa comer e morar. Vocês vivem com branco por que gostam mesmo. Por que quem não tem espaço dentro do sistema dá aula de autonomia pra pseudo preto metido a intelectual. Quem não tem escolha além da autonomia come, dorme, mora, faz família e ainda sobra pra cerveja se brincar, sem vender os seus pro sistema. E pode ser até falta de oportunidade mesmo. O sistema racista deixa a maioria de fora mesmo. Os pretos que não tem oportunidade de ser capitão do Mato são a faculdade de ser preto.

Arte: Mary Piedade

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