Fé nas crianças

Ângelo Òkòtó
revistaokoto
Published in
4 min readJan 25, 2021

Quando pegamos uma visão ampla do que é o Poder Preto e entende o bagulho da raiz, fica nítido a importância do trabalho de base, do alicerce.

Não é à toa que tentam a todo custo arrancar as raízes Afrikanas de nós, negativar nossa espiritualidade, nossas formas de interação, toda e qualquer manifestação que nos remete à nossa cultura e casa e natural, o continente Mãe.

Em grande parte do mundo, inclusive no próprio continente, carregamos os estigmas e atravessamento do racismo, do combo maafa e suas múltiplas facetas e desdobramentos, tanto que de modo geral, é difícil a gente conseguir se enxergar com a visão limpa, sem manipulação ou o dedo podre de yurugu, consciente e inconscientemente.

Auto-ódio está aí para provar.

Ilustração: Izaias Oliveira

Isso é resultado de um projeto pro povo negro: Não ter autonomia. Não pensar por si. Não se conhecer. Não produzir para si. Não construir para si. Não amar a si. Nossos mais velhos já lançaram alertas nesse sentido: “se eles controlam os pensamentos e recursos de um homem, nem precisam se preocupar com as ações do mesmo”. E é aí que a gente se fode, porque se não temos autonomia, não temos nada. É prego na areia. Dependemos dos detentores dos recursos. É como construir algo em terreno alheio. Por mais que aquilo te encha de orgulho e tenha muita utilidade, no final das contas não é seu. É do dono do terreno.

Nesse sentido, se não trabalhamos na construção e manutenção de Autonomia Preta, Poder Preto real e pá, mesmo que involuntariamente, estamos agindo contra o propósito de emancipação, já que o “modus operandi” é anti-preto.

Devido a nossa falta de organização como um todo, vários acessos aos papo de visão e as contribuições dos nossos “brabos” guerreiros e organizações Pretas ainda são alcançados com certo atraso… antes tarde do que nunca né!

Mas naquelas também, pensa nas “menorzada” catando a visão logo cedo, lá no berço? é outra fita.

Metas !

Òkòtó tá aí pra isso também. Aquilombar. Educação Preta para gente Preta. Nós por nós e para nós. Ser alicerce para que quem chegue não precise retroceder para avançar. Continuidade. Trabalho de base!

Tem uma frase do monstro Malcolm X que diz o seguinte: “Apenas um tolo deixaria seu inimigo educar suas crianças”, parece meio óbvio mas se nós destrinchamos as ideia certinho, dá para estender esse conceito da educação muito além do intelecto, embora ele também seja importantíssimo. Por exemplo, a deseducação alimentar, o excesso de porcaria que ingerimos e compartilhamos entre nós, a falta de cuidado com nosso corpo, saúde e mente, só atrasa a caminhada… mas isso é uma ideia pra outra hora. Voltemos aos pivete.

As crianças são ótimos medidores da nossa comunidade, reflexos naturais dos mais velhos, da vivência, experiência, das relações e interações com o que as cercam, com o mundo, com o todo. As ‘cria’ é aquela energia boa, transformadora e sincera, pae. Pra tirar alguma coisa, pra receber, tem que botar também, se não, sem chance. Elas por elas.

Vira e mexe eu vejo uns encostado lançano um “fé nas crianças” e umas fita nesse sentido, que quando chega na hora da pratica, não tem compromisso com porra nenhuma além do próprio umbigo, só lembram dos menó em momentos especifícos, vulgo lacre/frase de efeito. Desonestidade do “carái ” — ou burrice mesmo — projetar nos fióti expectativas que não conseguem praticar ou pelo menos demonstrar, no auge da “maturidade” e com a visão em dia. Mesmo papo de esperar um salvador, alguém que vai fazer pelo todo, o que geral tinha que fazer junto.

Ninguém é tão inútil a ponto de não ter nada pra compartilhar, não encontrar nada que dê pra desenrolar, pra somar. Alguma forma de interagir, brincar, contar histórias, enaltecer uma criança Preta.

Tem um “menó” que brota em casa direto quando eu estou tocando berimbau. Às vezes ele arrasta outros menó junto, ficam lá brincando, correndo, dando aúzinho, uns golpe, se divertem. Me enchem de perguntas e eu fico como… só dando corda kkkk. Os moleques vão até quando eu não estou para perguntar para o meu pessoal se “o menino do berimbau vai tocar hoje” hahaha isso não tem preço

Mas como disse Malcolm “só um tolo deixaria seu inimigo educar suas crianças” e é sobre isso. O que nossos inimigos sempre falaram sobre capoeira, sobre a nossa cultura, Orixás e melanina? Pense nisso.

A responsa de educar nossas crianças, é somente nossa.

Nós por nós !

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