Família

Jhené Zahara
revistaokoto
Published in
3 min readMay 24, 2021
Ilustração: Izaias Oliveira

Família é uma parada muito louca, amo vê a negada postando e falando sobre suas famílias, me faz realmente feliz!

Há alguns anos minha família diminuiu de membros drasticamente, perdemos minha tia Lúcia (que era a mais velha) e nem se tinha um ano da passagem dela, tia Silvia (que era a caçula dos irmãos) se foi também, um mês depois dela meu tio Gilberto (marido da tia Silvia) partiu.

É neguin não foi mole não, fomos findando aos poucos, nossos fins de semana teve outro rumo, já não colocamos a mesa para os almoços, não se tinha falação alta da tia Silvia e minha, não se tinha mais gritos dizendo que não tínhamos nada pra oferecer quando ela chegava no portão. Não tinha mais com quem desabafar e reclamar quando brigava com minha mãe, não tinha conselhos, não tinha mais duas mães.

Minhas tias sempre foram minhas mães também, participavam ativamente na nossa criação, era médico, apresentação de ballet, formatura de cursinho, todas as etapas eles estavam lá, nos apoiando e incentivando. Sendo nosso abrigo, Tia Lúcia era a rocha da família, todos que queriam desabafar, reclamar ou simplesmente jogar conversa fora, assistir televisão era só chegar nela. Até no silêncio muita coisa era dita, muita coisa era sentida. Já a tia Silvia, era a festeira, nos aconselhava sobre festa, sobre romances e tudo mais. E por fim tio Gilberto, esse era o dj, mas também era o barraqueiro, aquele que zoava, mas não aguentava a zoação rs.

Enfim, estava contando um pouco sobre eles porque vivemos dizendo que família não se escolhe, mas na verdade escolhemos sim!

Inclusive escolhemos, nos distanciar, nos excluir, nos fragmentar, a moda virou dizer que o parente tal é tóxico, que a mãe é isso, o pai aah o pai aquele invisível que só sabe se matar para por o sustento na mesa, nada de tão grandioso né? Ele não lansou aquele hb20 né?

A relação que tem sido construída com o núcleo familiar, vem se desmantelando na medida que, vamos caindo no conto do vigário, acreditando na ilusão da maternidade real, nas mães solo, nesses tipos de ladainhas, que estão sendo criadas e alimentadas, a fim de desarticular, fragmentar as famílias pretas, que por conta do racismo são atravessadas na esfera: intelectual, corporal e espiritual. Assim, fomos sendo conduzidos a desejar que nossa familia vá se esvaziando, se desconectando, e por fim ficando brancos.

Nesse novo lugar, não tem espaço para as tias Lúcias e nem tia Silvia’s, que brigavam, que cuidavam, que tinham palavra também na criação. Esse tipo de comportamento, para as mães modernas, é chamado de tóxico, justamente, por não atender prontamente os desejos e expectativas dessas mães.

Para nós não há sentido, criar uma criança sozinha, na real não se é capaz disso, a partir do momento que as demandas financeiras se fazem mais presente, é necessário se trabalhar para garantir o sustento da menozada, precisamos então do envolvimento de toda a comunidade na educação da criança.

As nossas crianças precisam desse envolvimento para se desenvolver, eles precisam dessa conexão, e nós também, não dá pra cancelar a família eternamente, ainda mais se vocês entenderem que tudo para nós parte do lugar de atravessamento do racismo, somos pessoas quebradas, famílias quebradas, que tiveram que se adaptar nesse merdelê branco, para não morrerem de vez.

Enfim, bateu mó saudade das nossas falações, das zoações, das picuinhas, dos muitos nãos que disseram, e dos sim também, das idas aos ballet, de chegar da escola e te avistar no portão nos esperando, de ser cobaia da mary kay da vendedora de boa lábia. Hoje seria esse dia de rir, de dar pijama combinando para usar no natal pra tia Lúcia, e coisas mais pra frente pra tia Silvia, ai ai viu.

Foto: Arquivo Pessoal — Casamento da Tia Silvia e Tio Gilberto

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