KUJICHAGULIA: Harambee!!! *

Mayara Assunção
revistaokoto
Published in
4 min readDec 28, 2020

Kujichagulia, o segundo dia do Kwanzaa.

“Set the table mat of straw
Thankful for the first fruits of the year.
Stay and Iight a candle, Joe.
Come join the party. It’s a celebration.
Karamu that Kwanzaa time of year.
Red or yellow, black, or white,
We all know that it’s alright.
It’s a celebration
that will last throughout the year.”

Happy kwanzaa — Teddy Pendergrass [1]

Que desafio é refletir, vivenciar, praticar e escrever sobre a celebração “matunda ya kwanza” [2]. De 26 de dezembro a 1º de janeiro, Pretos na diáspora se reúnem em torno de sete “Nguzo Saba"[3] da cultura africana, respectivamente um para cada dia, exaltando, refletindo e compartilhando sobre cada um deles. Longe de apenas “teorias", cada um dos sete princípios está ligados à ações práticas de Espiritualidade, Corporeidade, Cultura, Arte, Relações (na família, na comunidade, no trabalho…)

Nada nas celebrações do Kwanzaa foge às diversas formas de celebrações negras espalhadas pelo mundo: há música, dança, comidas e reflexões sobre nós Negros e a comunidade, ou seja uma grande FESTIVIDADE PRETA — com cores, símbolos, canções, variedade de pratos, histórias e afetos.

27/12 — Vermelho — Kujichagulia

Imagem retirada do Pinterest.

Representado pela “pedra angular" [5] este é o princípio da “Autodeterminação”. É sobre a responsabilidade, sobre os caminhos escolhidos por nós — individualmente e seus reflexos na nossa comunidade.

Tenho para mim, que é a pedra do equilíbrio, entre as encruzilhadas… as possibilidades… e embora aparente já ser determinada, é cíclica no seu centro (o que traz muitas possibilidades, não só uma única definição). Para além de decisões individuais e coletivas, penso que estamos falando de escolhas que refletem diretamente na comunidade.

Práticas com o objetivo de Kujichagulia estão diretamente ligadas à autonomia, à busca pela construção de uma comunidade Preta: partindo de uma família Preta à vivências Pretas.

Vale ressaltar que por “Família Preta" eu entendo além de relacionamentos monoracial. Além de se relacionar com pessoas “pretas” é se relacionar com pessoas que tenham valores, práticas e crenças baseadas em ensinamentos de origem Preta (desde o pensar “família”, a educação dos filhos, e a forma como lidar com os familiares, até o envolvimento em sua própria comunidade).

Há 5 anos atrás, acreditava-se que se relacionar com pessoas pretas era suficiente (ledo, ledo, ledo rs…), hoje sabemos que existem pessoas pretas embranquecidas e felizes com essa condição, que jamais abririam mão de construções brancas em prol de construções pretas.

Imagem retirada da internet.

Sabemos que só ser Preto não é definidor de nada. Práticas Pretas em diáspora surgem da necessidade e de retornar para onde está nossa ancestralidade, nossa essência.

Sabe aquela pessoa Preta que usufrui, gosta e não abre mão de espaços, práticas e construções brancas? Aquela pessoa que sabe a importância de estar com os seus, mas faz questão de estar entre os deles?Aquele Preto que não se alimenta da nossa Arte, da nossa Cultura, da Nossa Espiritualidade ou mesmo busca nossas Corporeidades? Bem, não é essa a pessoa preta que falamos aqui do segundo princípio do Kwanzaa - Kujichagulia.

Autodeterminação é COMPROMISSO. E nem sempre esse compromisso é exibir os seus próprios feitos. Compromisso é a verdade que você acredita e vêm praticando. Durante nossa trajetória, alguns passos serão dados em silêncio para que a grande celebração aconteça com grandeza.

A Autodeterminação não é sobre o exercício individual de “brilhar sua individualidade”, é sobre como q sua individualidade pode fazer brilhar a sua comunidade.

Acendemos a vela vermelha no início do ritual, para simbolizar o sangue, a vida (dos que vieram antes de nós e dos que virão depois também). O vermelho nos lembra todos os “compromissos" assumidos e os esforços em busca deste objetivo.

É a responsabilidade assumida com o seu próprio caminho. E quando penso isso, eu sempre tenho refletido sobre meus filhos. Sobre a importância de se construir uma família (sanguínea e expandida) que seja base fortalecedora destas responsabilidades.

Crianças são vitalidade, alegria, bençãos e a certeza de “Ancestralidade”. O início e o retorno. Não existe família africana sem criança, assim como também não existe comunidade Preta sem elas.

E filhos se enquadram nessa autodeterminação de entregar à comunidade a responsabilidade com aquele lugar. Não entregamos bens preciosos há lugares e pessoas sem valor. E assim é com as crianças, compartilhamos nossos filhos com propósitos que realmente acreditamos e estamos dispostos a construir.

É estarmos todos interligados e unidos em prol de construções grandiosas para a comunidade, resultado de caminhos e escolhas individuais.

Kujichagulia é o pensar e o fazer Preto!

Kujichagulia é ir para nós e pelos nossos!

Kujichagulia é a escolha e o compromisso!

Harambee!!!

Em tempo:

[*] — O “Chamado de união" ultilizado nas celebrações.

[1] — Canção bastante popular nos EUA sobre a celebração.

[2] — “Primeiros Frutos", em Swahili.
[3] — “Sete princípios”.

[4] — Autodeterminação.

[5] — Definição de Henry Jr., para o Espaço Afrocentricidade, em 2016, “Kujichagulia é a pedra angular do compromisso em restaurar o controle sobre nossas vidas através de várias gerações.”

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Mayara Assunção
revistaokoto

Filha da Dona Rita. Mãe do Adriano e da Amora. De São Mateus. Algumas vezes eu danço, em outras toco e noutras escrevo!