Mercadores do (Antir)Racismo

“Se for para lucrar com a nossa morte que seja a gente que é preto.”

Akínwálé Òkòtó
revistaokoto
5 min readAug 10, 2022

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imagem de domínio público

Eu ouvi essa frase de uma estudante universitária negra, anos atrás, numa dessas mesas organizadas por coletivos negros de alguma universidade. Faz um tempo isso. Não é de hoje também que uma galera que se diz militante, as vezes credenciada, está nesse pique aí. Para eles, não se trata de resolver um quadro de aniquilação física em massa, aniquilação cultural e perversão dos fundamentos legados por ancestrais. O objetivo é lucrar. É a política de igualdade — com o branc’o — levada ao limite. “Se for para lucrar com a nossa morte que seja a gente que é preto.” Muita gente diplomada nesse pique.

Um dos mais caricatos é o próprio Silvio de Almeida, atendendo ao chamado do Carrefour após o assassinato de mais uma pessoa preta por funcionário da empresa, dentro das dependências da empresa. Aceitou o chamado para compor um tipo de comissão de diversidade da empresa e, assim, limpar o sangue preto que marcou a logo da empresa na mídia e, como testa de ferro, garantir que pretos não boicotariam a empresa. O lucro é garantido nas duas pontas, na publicidade “negativa” com as notícias do assassinato, que mantiveram o nome da empresa na mídia e na memória curta dos brasileiros. Na outra ponta, as palestras de conscientização e promessa de contratação de preto, com o testa de ferro preto lá, oferece mais um rodada de marketing e publicidade. Nisso, que fogo nos racistas, que nada. Revolta preta? esquece. É Silvão, empregado pelos assassinos, prometendo diversidade no grupo dos franceses.

No campo da aniquilação cultural, é candomblecista baiano, nagoterapeuta, renovando a onda de sincretismo com o curioso “Tarô dos Orixás”, mesclado com terapias baseadas em Exu. O valor dos serviços profissionais é estabelecido para os brancos místicos, sem nomear os brancos — claro! pois branc’os não gostam de ser nomeados racialmente — e um desconto para negros e indígenas. Aos brancos, o valor, negros e indígenas contam com um tipo de ação afirmativa. Isso tudo empacotado em termos de afrocentricidade e pan-africanismo.

O legado da escravidão que ainda mancha as casas de Axé com “sincretismos” com cristianismo e ritualizações de uma lógica de dependência com religiões dos escravizadores ganhou mais um aliado, com a nova modalidade de sincretismo. Afinal, se é para perverter e mercantilizar a tradição e o legado cultural-espiritual, que seja para benefício de um preto.

Você aponta tudo isso e aí vem os filhos de Adjúnior, imitando seu pai, com “pare de tretar com seus irmãos”. Para além da chantagem emocional, porque é isso, somos, no geral, um povo arrastado, refém das emoções, carente e fraco de espírito, mas para além disso, eles expõem aí sua concepção corrupta de família.

Você vê um “irmão” fazendo m3rda, sujando a honra e o nome da família, você faz o quê? Vai em cima e cobra postura? Não, faz como canta a Capoeira, “vamos fazer um jogo de compadre, eu não te bato, nem você me bate”. É, de novo, a lógica do corrupto, como já dito aqui na casa. Na ladainha da chantagem dos Ad Júniors da vida, crias do mercado do (antir)racismo, nosso problema é o branco, assim como é o branco, a solução. “Temos que focar no branco e seu racismo”, é o que dizem os Ad Júniors, os Sílvios e, mesmo sem dizer, os terapeutas do sincretismo reeditado, deixa os “irmãos” quietos.

Na maior falta de vergonha na cara, o povo expõe publicamente sua noção corrupta de família. Jogam com um sentimentalismo, como se não tivéssemos no passado como no presente todo um histórico de modalidades de colaboração na desgraça coletiva, a troco de algum dinheiro e alguma atenção.

Patricia Khan-Cullors, co-fundadora do Movimento Black Lives Matter (Vidas Pretas Importam) e suas propriedades avaliadas em 3.2 milhões de dólares.

Desonestos, como a Filó lá no post do Balogum, vem com “ah, mas vocês falam de espiritualidade e oferecem cursos, quando se aprende é no terreiro”. Primeiro que ninguém no Òkòtó, iniciado ou não iniciado em culto Afrikano ou Afrikano Diaspórico, está ensinando a jogar ọ̀pẹ̀lẹ̀, obì, ikin, obì, ou mẹ́rìndínlógún. Ninguém no Òkòtó, iniciado ou não iniciado, está ensinando a fazer ẹbọ ou coisa do tipo. Na desonestidade ou na ignorância mesmo, a pessoa limita espiritualidade às práticas rituais de determinado culto. Ela expõe publicamente sua noção cristianizada de espiritualidade, onde o domínio do espiritual tá limitado às dependências da igreja ou do terreiro. Para ela, Capoeira não é sobre espiritualidade; ìtàn, entre outras formas de narrativa histórica de um povo, não é espiritualidade e filosofia. As práticas culturais e a filosofia de um povo, as formas de guerrear, comer e celebrar de um povo não derivam de um sistema espiritual, segundo as Filós. Mas é isso, como diz Táíwò, tem gente que é à prova de conhecimento, e às vezes, muitas vezes, nem é por uma questão de cognição e tal, não, é porque o coração está em outro lugar. O certo, o razoável já foi rifado há muito tempo, vendido com a vergonha.

Sobre esses mercadores do racismo, Claud Anderson diz algo como: Toda comunidade, todo povo, em desterro, que foi reduzido a condição política de minoria dispõe de formas de responsabilizar aqueles entre os seus que estão colaborando para destruição física e cultural do seu povo, exceto os pretos. Quando se trata dos pretos, é o cada um faz o que quer, mesmo em prejuízo da coletividade e da tradição. E, nesse pique, errado é quem aponta os erros. Esse, o que traz a mensagem, aponta e cobra, passa a ser odiado. Chega a ser hilário que esteja todo mundo falando em Èṣù….

Enfim, é fato que os pretos abraçaram um mito racista da individualidade branca. “Somos plurais”, dizem as crias da Djamila. O que esse povo, sem a menor vergonha, chama de pluralidade é, na prática, um cada um por si que se f*dam o todo e as condições de continuidade da comunidade Preta. É farinha pouca, meu pirão primeiro. Afinal, se seremos todos exterminados, que uns de nós lucrem com isso, como disse a universitária negra. Foi para universidade para isso, deve estar hoje na busca por um Carrefour sujo de sangue preto onde ela possa colar para limpar, ou um Boninho, ou um “sincretismo” inovador customizado para branc’os místicos, com desconto para negros e indígenas.

Tá aí também o porquê de esse povo ter horror à organização Preta. Acharam na afrocentricidade e no pan-africanismo um nicho de mercado. Querem seguir no erro, sem serem cobrados.

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