Não pare de se movimentar

Dara Makandal
revistaokoto
Published in
3 min readMay 22, 2021

Eu sempre gostei de música e tudo que fosse relacionado a artes, tanto que hoje em dia trabalho com isso, mas nem sempre foi assim. Quando a gente é criança, tudo pode, a gente faz uma papagaiada aqui e ali e tá todo mundo rindo, mas, à medida que vamos crescendo, os olhares de alegria vão se transformando em olhares de “que mico” ou de “pra que isso, não tem mais idade”. Pode reparar, é muito comum isso acontecer e o foda é que isso é muito do processo do racismo que é implantado na gente. À medida que vamos crescendo, nosso corpo vai sendo moldado pro trabalho, vai sendo moldado pra “construir uma carreira”, vai sendo moldado pra servir. Mas servir a quem? Com que propósito?

Ilustração: Izaias Oliveira

Sempre escutei de Mainha que artes não dava dinheiro, que tinha que ser Engenheira ou Advogada pra poder ser “alguém na vida” e sair dali pra ter um futuro melhor. Mas futuro melhor pra quem? Gastando com quem e o que? Muito tempo eu tive raiva dela, porque eu adorava dançar (e diga-se de passagem, eu dançava bem pra porra), porém a medida que as responsabilidades foram chegando, eu tive que ir parando e junto com essas responsabilidades, os olhares críticos e isso foi travando, atrofiando, meu corpo foi ficando parado. Mas hoje essa raiva se transformou em entendimento, SIM, eu entendi que não era culpa dela, essa sociedade/país não é o fantástico mundo de bob que a gente acha que é na infância e nem é as mil maravilhas que a esquerda pinta com as palavras “aí no governo tal era bem melhor”. Não, não era, o racismo ainda imperava ali, a alegria de cantar e dançar, era a cada ano, mais reprimida até o atrofio total.

Na época de do Entendendo (atual CFK) eu me via “pegada” nos exercícios, pois eu estava dura, joelho doía, corpo cansava, mas eu sempre me colocava a prova, porque eram coisas que eu fazia e sabia fazer, não era nada extraordinário, mas meu corpo já estava tão brancamente moldado que eu não conseguia, era como esquecer que 2+2 são 4, assim como o corpo a mente também parou. Ainda no Entendendo, Taiwo falava dos três pilares do Òkòtó, Corporeidade, Espiritualidade e Intelectualidade e que os três tinham que andar juntos para você funcionar, tinham que estar equilibrados e isso me ascendeu um alerta muito grande porque me lembrei da época de universidade, que quando eu comecei eu tive que parar tudo o que eu estava fazendo para me concentrar a aquilo, com isso parei de fazer todas as atividades físicas que estava por não ter tempo, por estar sempre cansada e isso me fez perceber que não adiantava todo o “conhecimento” que eu estava “adquirindo” ali, algo sempre faltaria, ali na academia, eles só queriam uma coisa, me endurecer. E até certo ponto conseguiram, porque eu não via alternativas para aquela realidade, mas já disse o Hon. Marcus Garvey “Libere as mentes dos homens e, finalmente, você liberará os corpos dos homens.” E foi nessa que eu passei a recuperar o tempo que eu perdi, passei a recuperar tudo que me foi tirado desde cedo, tudo que me foi impedido, ali eu passei a lutar para que os próximos não passem por isso.

Por fim, o racismo é foda pro nosso corpo e mente, cada vez mais vamos ser condicionados a um atrofio que apenas os brankkkos vão ser beneficiados, pois mais máquinas e mais mão de obra serão feitas. Mas cabe a nós, na medida que estamos, seguir por esse caminho junto com eles ou lutar pela emancipação do nosso povo.

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