O acaso é um dos disfarces de N’zambi!

Kafunji Mahin
revistaokoto
Published in
3 min readSep 6, 2021

Tem um filme chamado “Jornada da Vida”, com o Omar Sy, que toda vez que passa eu me pego assistindo. Na primeira vez, entendi nada com nada, apesar daquilo me prender a atenção, por mais que eu tentasse, não entendia quase nada. Das vezes seguintes, meu olhar sobre o filme foi mudando e eu entendendo coisa ou outra que o filme mostrava. Não é só sobre o menino que vai atrás do ídolo e uma jornada que muda no meio do filme, levando o cara a ir atrás do menino. É sobre o menino que vai buscar o cara pra que ele retorne a sua origem!

Uma parada engraçada que vai sendo repetida ao longo do filme, é sobre o quanto o cara é branc’o. Apesar de retinto, preto como a noite, a forma de falar, andar, agir, vestir, de se portar, era branc’a. O Yao, menino que busca ele, até o chama de barra de prestígio hahahahha. E é legal perceber como no desenrolar da história o cara vai mergulhando de volta nos costumes e cultura, sendo muito bem recebido pela família do Yao, quando chegam lá e sendo tratado como igual a essa altura.

Vendo essas coisas, é quase impossível não pensar em como seria voltar pra casa, encontrar seu povo e ser recebido como igual. Acho que o mais próximo que cheguei disso, foi quando fui a Bahia. Essa sensação de familiaridade e estar em casa, tá ligado?! De olhar os lugares e pessoas e parecer que sempre esteve ali. E esteve...rs

Tem uma cena em que a anciã pergunta se ele já não esteve lá, ele responde que não e ela, depois, explica que esteve sim, mas através de quem veio antes dele, de seu avô, bisavô, de quem antecedeu ele. E, mais tarde, após um ritual a beira do rio, ela diz “Que seus ancestrais continuem a guiar seus passos!”. O filme não elucida se ele conseguiu de fato voltar e conhecer o lugar de onde seu avô partiu, mas com toda certeza ele teve a oportunidade de se conhecer, reconhecer e retornar a si.

Fiquei aqui matutando sobre retornar ao nosso ponto de origem. Para os nascidos em diáspora, imaginar de onde, possivelmente, seus antepassados foram sequestrados é uma brisa que vira e mexe aparece pelo caminho. E não dá pra seguir em frente sem saber de onde se veio, não é mesmo?! Mas de onde vc veio? Só o fato não sabermos já deveria ser motivo suficiente para odiar oymbo.

Por acaso, e quem já viu o filme tá ligado que não existe essa de “coincidência”, vc vive o que tem que viver....mas, parei num programa, enquanto escrevia, que tava passando uma matéria sobre os imigrantes que vieram fazer a vida aqui no BR, e que mesmo chegando com nada, conseguiram construí empresas de sucesso. Aí eu te pergunto; sabe pq, na matéria, não tinha nenhum imigrante preto? Porque não escolhemos vir pra cá! Fomos trazidos a força, sequestrados, nunca tivemos oportunidade de nos estabelecer! E essa, jamais será dada!

Retornar a si, ao ponto de onde iniciou, parte principalmente de mergulhar profundo e tocar em feridas ainda abertas. Fiquei aqui me perguntando se essa dificuldade que vcs tem em pensar na nossa libertação enquanto povo, não é medo de voltar e descobrir que o ponto inicial é a senzala.

Pq se nossos ancestrais se lançavam no mar, para renascer em Áfrika, não tem que me convença que essa dependência de oymbo, não seja a lembrança do grilhão no pé dos preto de engenho. Daqueles que até queriam a liberdade, mas que não estavam dispostos a fugir pro Kilûmbu pq queriam "comprar liberdade" e viver igual oymbo. Liberdade não se compra, ela é tomada! E nem é sobre invalidar nada sobre quem viveu e resistiu, mas se não é nada disso...O que ainda te mantém preso a eles?

Se lá...pense ai

--

--