O cansaço e a satisfação andam lado a lado

Juliete Vitorino
revistaokoto
Published in
3 min readOct 28, 2021

Eu me lembro o quanto eu já me cansei, pra fazer nada por ninguém, na real nem por mim.

A gente aprende desde muito cedo que o nosso exemplar máximo é o branco, então a gente fica nessa corrida maluca tentando se aproximar do branco o máximo que a gente pode.

A gente alisa cabelos, clareia a pele, namora com branco, esconde nossa origem, tudo pra parecer o mais branco dos brancos. Muda o jeito de falar, de vestir, de rir.

Tem que falar baixo, não pode rir na mesa, não pode comer com as mãos, tem que aprender usar dezenas de talheres em apenas uma refeição.

A gente tem que ser o aluno nota 10 na escola deles, entrar na faculdade igual eles, fazer mestrado e doutorado igualzinho os filhos dos brancos. Dançar comportadamente feio igual eles, usar roupas com poucas cores igual eles, uma trabalheira pra estar igual eles, e no fim uma frustração descomunal.

Eu era um suco de frustração e eu sabia, mas eu seguia porque aquilo era motivo de orgulho pra minha família, quase doente, quase feia, sem equilíbrio espiritual, sem saúde mental, mas foi aquilo que foi me apresentado como único caminho possível.

Hoje cedo meu irmão me falou: “nunca é só sobre a gente” e aquilo ficou ecoando na minha cabeça.

Porque nunca foi só sobre mim, mas por muito tempo, não foi nada sobre mim, foi somente pelos outros, eu não podia falhar, eu tinha que ser motivo de orgulho para os outros. Eu me orgulhava disso, mas, eu sempre quis mais que isso, dentro de mim sempre tinha uma voz que dizia que eu podia mais que isso.

A princípio eu achava que eu ia conseguir ser menos frustrada quando eu terminasse a faculdade, depois eu achei que era quando eu terminasse o mestrado, mas como eu não sou tão otária assim, eu percebi que se eu terminasse um doutorado algo continuaria faltando dentro de mim, porque o que eu tinha que fazer era mudar a rota, seguir outro caminho.

E a vida é realmente um clichê, a felicidade está nas pequenas coisas, nas construções diárias.

Eu precisei retornar, refazer o caminho e encontrei um outro caminho, um caminho que eu sonhava com ele, mas nem sempre achei que era assim tão possível. Coitada de mim dás vezes que eu duvidei. Orgulhosa da parte de mim que teve coragem de deixar tudo pra trás e foi.

Deixar pra trás foi muito mais difícil pensando em decepcionar os outros do que de vontade, porque quando eu vi aquelas comunidades meus olhos brilharam e eu tinha certeza de onde eu queria estar.

E foi o brilho nos olhos que eu nunca tinha tido antes que me fez ir, e que bom que eu fui.

Sábado teve treino de capoeira do Ókòtò, oficina de Berimbau, comemoração de 2 anos do Ilé Ifé. Domingo de manhã teve dia do corpo com capoeira, corrida e defesa pessoal. De tarde teve Zumbiido com treinamento de guerra, dança e música. De sábado pra domingo eu não dormir pra dar conta de umas encomendas. Ontem tudo queria dar meio errado, mas eu botei axé e fiz tudo dar certo.

No fim do dia, depois de comer e tomar banho, eu choraria sem conseguir explicar o meu choro, seria um misto de culpa, com pedidos de desculpas a mim mesma por exigir tanto de mim, com um misto de felicidade por estar orgulhando os outros, mas ontem, a frustração, o choro, a culpa, deu lugar a satisfação, um orgulho de não estar fazendo nada só por mim, mas também por mim.

O ritmo não é sempre esse, mas é entender que tudo o que estiver ao meu alcance para me manter saudável, mentalmente equilibrada, com um corpo capaz de dar e receber se for necessário eu tenho que fazer. Há 3 anos eu jamais teria corpo pra fazer metade disso, mas meu bonde é dos fodas, a gente não para, e o pique pra acompanhar um bonde desse, vem que vem.

E o cansaço só aparece mesmo quando a gente para, então é só se manter em movimento, ainda que às vezes lento, permaneça em movimento.

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