O começo do começo…

Thabata Bernardes
revistaokoto
Published in
4 min readAug 10, 2021

Dia 04/12/2018, o dia do começo. Tudo combinado, horário e local acertados, a dica foi: venha no horário marcado.

Eu encarei aquilo como um encontro, porque por muito tempo, o modelo de debate sobre racismo que eu tinha referência era um encontro onde as pessoas falavam, choravam, mas não traziam nenhuma ideia eficaz sobre como combater o racismo.

Eu cheguei para mais um encontro e já esperava mais do mesmo, quando de repente, todos em roda, somente pessoas pretas, todos atentos e ninguém chorava.

“Dissecando o Racismo" foi o começo do meu começo, ali eu ouvi o que eu não queria, fiquei desconfortável, ouvi muito, falei quase nada e saí dali diferente. Aquele dia ninguém voltou pra casa achando que precisava resistir a violência com resiliência e garra, aquele dia ninguém chorou…

E ali eu comecei a entender que havia uma nova perspectiva de vida, a autonomia não seria apenas uma palavra, ela passou a ter outro sentido.

Foi ali que eu comecei a me encontrar, a me entender, a entender minha mãe, alguns amigos e o meu papel no meio de tudo o que até ali eu chamava de vida.

Dia 15/01/2019, eu virei uma integrante do Kilûmbu Òkòtó, e eu só entendi o que era isso de fato quase um ano depois. Ali, na rua, debaixo do viaduto em meio a transeuntes que acredito até hoje quando nos vê, não entende do que se trata. Muitos não nos vê, assim como não vêem tantos corpos pretos que tem aquele viaduto como morada. Religiosamente estamos lá, às 19:00, nas segundas e quartas-feiras, lendo, falando, praticando a experiência de ser um incômodo ou um ser invisível. Ali nós aprendemos que não importa as circunstâncias, se vai chover, se vai estar calor, o que importa somos nós e os nossos propósitos. Ali nada vale mais que o nosso compromisso.

E hoje, ver o Kilûmbu completando mais um aniversário, a sensação de orgulho e pertencimento dá espaço para o sentimento de responsabilidade. Ser um membro do Òkòtó é sobre ser responsável, e não só por você, mas por toda uma comunidade, sobre toda uma perspectiva de vida. A palavra aqui vem carregada de significado, de axé.

Mudar de vida, de perspectiva, mudar de lugar, mudar seu lugar no mundo, se encontrar, se reconectar, se reconhecer, se perdoar, perdoar o outro, crescer, amadurecer, expandir, se perder, se achar, se reencontrar… muita coisa acontece na vida de um indivíduo a partir do Òkòtó. Muito do que ele era deixa de ser, muito do que se sabe deixa de fazer sentido, muito do que se quer deixa de ter valor…

Eu poderia passar horas qualificando ou quantificando o que é ser um membro Òkòtó, mas creio que essa experiência só é possível a quem se permite vivenciar isso com verdade. A experiência só é possível se você colocar todo o seu foco na parada.

O Òkòtó é o começo de tudo e o fim não existe, na vivência com a espiritualidade preta africana não existe limites, aqui tudo acontece, nada é limitado, nada é restrito, nada é impossível! Por isso não acaba, por isso não tem fim.

Aqui tudo se renova, tudo se transforma, tudo começa e recomeça, o começo do começo é Esù, o primeiro a chegar, o primeiro a comer, o primeiro a revidar, o primeiro a ensinar… Òkòtó é a expansão, da vida, dos saberes, dos processos, das escolhas e das oportunidades.

Aqui nada fica oculto, não há lugar de conforto, o movimento em espiral acontece todos os dias, de várias maneiras. Repetidas vezes, todas as vezes que forem necessárias, por qualquer meio necessário!

Ser Òkòtó é um estado de espírito, um modo de vida, uma cultura.

E quem passa por essa experiência jamais voltará a ser o que era antes, não sem ter o desconforto de experienciar o começo. Não sem saber que aqui tudo vai recomeçar.

O começo do começo é a expansão da realidade, da força, do poder, realidade, da vitalidade. A realidade dentro do Òkòtó te obriga a crescer, te obriga a começar, te obrigada a se transformar. Seja pela mudança, seja pela cobrança. Você vai mudar, isso é certo, é tão certo quanto o recomeço.

Viver a cultura Òkòtó é abandonar a cultura do medo, da pequenez e da inferioridade, da dependência e da apatia. Aqui você vai andar entre reis e rainhas, aqui você vai ter as ferramentas necessárias para criar o reino que todo preto merece ter, aqui todos serão reis e rainhas, pois entendemos a grandeza do que é ser preto, africano e suficientes no mundo.

A cultura Òkòtó está só começando, estamos no começo, estamos só… começando~aqui nada acaba, nada termina… aqui todos os dias são começos e recomeços.

Estamos começando, estamos só… começando…

Òkòtó é o começo, do começo do começo, do começo…

Estamos começando… estamos só… começando!

31.07.2017

--

--