O escolhi esperar tá diferente

Zezi Masomakali
revistaokoto
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7 min readSep 27, 2021

Tenho pensando muito se quero um amorzinho.

Ilustração: Izaias Oliveira

É brincadeira e meme o dia todo acerca desse assunto mas refletindo profundamente, é bem mais complexo.
Não sei se pra você já aconteceu (receio que seja algo que acontecerá com todos, é questão de tempo) mas depois que o processo de organização e entendimento começa a acontecer, algumas coisas já não brilham os olhos como antes e se relacionar amorosamente com alguém tem sido uma delas.

É como sair a noite.
A maioria das pessoas teve sua época de dormir na rua, ir trabalhar virado, encostar na casa de qualquer amigo… Música alta, bebida, ser inimigo do fim e tudo isso depois de um certo tempo meio que perde a graça e há pouquíssimas coisas no mundo que nos faça sair de casa depois das 22h e menos ainda, dormir na casa das pessoas, longe do aconchego conhecido da nossa cama.

Relações tem sido assim pra mim daí fico pensando se acontece com geral também.

Não vou buscar um desgaste e a perda de tempo com algo que não vai voltar em forma de benefícios ou aprendizado, sejam individuais, para ou na própria relação.

E sim, relacionamentos são feitos de trocas e se você não espera nada de uma relação, encerre-a. Tá gastando o seu tempo e o alheio.
Mas a parte disso, tenho pensado se me juntar com alguém fará bem para os lugares que eu decidi estar.

A voz da minha cabeça faz cara feia e me julga:
“Você tá querendo um amor militante, nega?”

Eu prático o auto palavrão pra ela e depois olho para minhas referências de relações pretas e acho que não admito menos do que eu vi e consequentemente aprendi. Na verdade nem tão consequência, já que minha mãe faz, até hoje, questão que eu participe da relação dela com meu pai e vice e versa, porque é isso que famílias fazem.
Ela queria que eu entendesse como funcionava o vínculo, como se davam os sentimentos e torcia pra que isso talvez me proporcionasse o entendimento para definir o que queria ou não, o que aceitaria ou não de uma relação independente da natureza que ela tivesse.
De início eu acreditava que tudo aquilo era devido ao fato de eu ser a mini versão do meu pai, mais nova e simplificada, então era mais fácil de lidar comigo e depois aplicar os resultados daquilo nele. Atualmente, refletindo sobre a frase: “estamos discutindo por esse e esse motivo, não é pra vocês tomarem partido, não é pra nos desrespeitar no futuro nem pra anular a autoridade de nós sobre vocês. É pra ver, ouvir e avaliar.”

E assim eu fazia.
Meu pai era quem tomava nota do ocorrido depois. Ele apurava o que eu havia entendido, o que poderia ter sido feito pra evitar e corrigir a questão.

As vezes fico horas olhando pro nada e perguntando em que ano mental meus pais estavam pra pensar isso e que privilégio o meu.
Como sem o famigerado conceito de consciência racial eles procuraram fazer aquela parceria trabalhar para a pequena comunidade que eles montaram?
Mágica?
Feitiçaria?
Não, Isso e tecnologia. Uma antiga, a fusão da inteligência e da intuição. Pra mim essa e a única explicação plausível.

Elogios a parte. Outros casais que orientam meus pensamentos em torno das coisas dozâmo não fogem disso.
Esse parceiros não tem medo de discutir e até brigar, de cobrar, de botar na mesa e levar a situação aos demais, não titubeiam em dar um tempo e se afastar pra não tornar a rachadura maior. Fazem questão da condição de acompanhar o mesmo ritmo nas atividades e pensamentos ou disponibilidade pra tal. Tem respeito, tem o zelo na afinação do berimbau e da mesa posta.

Então não tem o mínimo sentido eu olhar pra isso e fingir que não vi.

Mesmo eu quebrando muito pouco a cara, já entrei em relações estranhas e errei muito. Me tornei parte e também o agente causador daquele problemas.
Tive episódios patrocinados pelo auto ódio, feminismo, racismo e outras formas de atraso de vida, bem como a comum violência dos brancos e do mundo que eles invadiram.
Passei a fase do descontrole financeiro, o não investimento e a falta de planos para construir algo em uma relação. Fosse um imóvel, veículo, ideia de autonomia.
Eu não tinha planos pra ter uma criança e gerenciamento de uma educação de qualidade pra ela.
Basicamente minha ideia era me desligar da minha família, ir pra bem longe, me destruir em espaços com oymbos, gastar muito dinheiro fazendo coisas que eu queria e pensar apenas em mim. Era um mundo de EU e esse planeta girava na órbita do meu umbigo.

Óia que peso morto na terra!

Quando sento pra falar disso, há quem diga que eu estava certa, que amor é algo que não é permitido a pessoas pretas e que quando temos um, queremos queimar na intensidade.
Há quem diga que estava errada mas não era minha culpa. Eu estava adoecida e ainda não tinha achado o amor preto pra me curar.
Não acredito nesse negócio que amor preto cura. Acho muito frasezinha para vender camisa e souvenir sabe?!

É o Black lives matter amoroso.

Se eu creio que estou adoecida eu tenho que crer que alguém do meu círculo é a doença ou o hospedeiro. E assumir isso é assumir que somos problemático, deficientes e podres ao ponto de atrair parasitas.

Então prefiro acreditar que estamos contaminados.
Pensa só: se você não cuida da sua saúde a doença de fato vai te acometer, então a responsabilidade é sua. Estar contaminado é sinal de displicência e isso dá pra corrigir.
Não precisa de paciente zero, basta olhar os sintomas e trata-los. Foda e descobrir a cura, tentativa e erro.

Eu aceitei que minhas relações não foram pra frente porque o problema nelas era eu mesma. Ainda brinco que junto mais gente que pombôgira mas não me engano, eu sou a energia que o incenso tenta afastar.

Eu não posso desejar que o outro seja algo pra mim que eu não sou pra minha comunidade inteira. Não é egoísmo, a longo prazo isso será um dos maiores causadores da nossa aniquilação. Da onde tira e não torna a botar, começa a faltar.
Tirar o melhor do grupo pra servir a uma única pessoa, é o maior dos ataques que uma organização pode sofrer. Você ir lá e escolher o jogadores ou jogadora mais cara do time e botar ele pra dar conta de um campeonato sozinho é de uma maldade sem tamanho.
Quando ele não der conta a culpa recai nele ou nela que optaram por ir atrás de ti acreditando que isso é amor.

E mesmo que seja, já dizia mãe que amor só não enche barriga.

Individualmente falando eu não tô apta pra correr junto de alguém, não tô afinada nem comigo mesma e com os propósitos que eu defini pra mim, eu não tô ascendendo no meu crescimento individual tanto quanto eu acredito que seria o aceitável. Tô precisando de polimento e trabalho e não investimento, isso vai vir depois.

Você pode pensar que dá pra fazer isso junto, que ninguém precisa chegar pronto e que o mundo do lado de fora já exige que sejamos perfeitos mas tem coisas básicas que ninguém tem que lidar numa relação.
No meu caso, observando meus pais, as pessoas que admiro, os casais do Òkótó, as relações da organização, não corrigir e não aprimorar algumas atitudes, comportamentos, valores e visões antes de chegar no momento das borboletas no estômago seria um tapa na cara dessas pessoas que abriram um pouquinho da intimidade delas pra mim.
É cagar pra construção dos alicerces que eu acredito que mantém a casa de pé.

Aquele papo de solidão da chata, tá cobrando do outro mas o que tu tem pra oferecer, gente bonita não junta com gente feia (e aqui vai além do físico) bate e bate real.
No princípio me incomodava e aí era a hora de ver onde eu estava implicada.
Quando mostrei esse texto a uma amiga ela logo disse que era textão pra justificar o fato de estar encalhada.
Eu ri.
Somar zero e zero ainda é zero.
Vou juntar com alguém desse jeito pra quê?!
Pra tirar a paciência da comunidade, quando aperta é lá que vamos nos aconselhar.

Eu vejo meus pais se amparando em tantas coisas e eu não quero entregar menos que isso. Quem dirá receber.
Existe o meu, o seu e o nosso dinheiro e ainda o dinheiro da casa.
Existe a minha a sua e a nossa função nas tarefas. Existe meu espaço, o seu espaço e o nosso espaço.
Se um lugar não cabe um, se não e confortável, o outro não vai. Bem como aquela pretagogia de onde seu orixá não pode entrar você não deve se demorar.
Eles me observam, agora adulta e por vezes me orientam como criança. Dizem que fariam muitas coisas diferentes, que ainda tem muitas visões que eles queriam me passar e perguntam se quando a minha relação vier, se eles vão ser inclusos.
E nesse ponto aqui essa espera e construção vale tem valido a pena. Eu não sou nem louca de apresentar pros veio menos do que eles me ensinaram.

Relações amorosas não é só sobre eu e seu corpo, tampouco sobre o corpo de quem entrar comigo nessa. É sobre quem veio antes e depois.
É continuidade e comunidade. É saber que tu tá assumindo e dividindo parte direção da vida de alguém.
É saber que você vai ter talvez metade da responsabilidade nas escolhas e decisões de quem tiver do seu lado.
Nem preciso dizer que se essa relação incluir erês, isso vai ser elevado a dois, três ou quanto mais pessoinhas tiverem ali.

A terra que você cuida oferece o que você plantou, eu não sei quando mas na hora que tiver pronto eu não vou ter problemas pra escolher, porque o plantio tá prezando pela qualidade.
E se lá no futuro, a relação não for pra frente, eu tô tranquila de devolver pra roda alguém modificado. Eu vou poder dormir tranquila já que essa pessoa vai se relacionar com as outras de uma forma muito melhor do que era feito antes.
Ninguém passa pela vida de ninguém sem sofrer alteração, não há relação que não te ensine, que não te ajude.

Bota reparo se a pessoa do seu lado é a pessoa certa pra comunidade e pra você. Na sua falta quem cuida dela é seu grupo. Busca saber se você também é essa pessoa pra sua pessoa e pras outras também.
Não é mais papo de tá solteira por opção (minha ou do outro) mas por necessidade. O escolhi esperar tá diferente rs.

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Zezi Masomakali
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Pretinha, Okotoshica, filhota mais velha do KZP, a sede caçulado Okoto que fica em BH- MG.