Das plantas, fez-se o verbo

Priscila Argolo
revistaokoto
Published in
3 min readJan 16, 2021
Ilustração: Izaias Oliveira

O Haiti é aqui: no coração de quem não desalinha a história para ganhar sozinho. No espírito de quem deixa o coração sangrar pra ser livre e não desanima até que se tenha coragem de fazer tudo o que for preciso pro seu povo, ao invés de fazer apenas para si mesmo.

Dos pés a cabeça, quem conhece a si mesmo e se reconhece em seu povo sabe que o Haiti deve ser exemplo de como se livrar das correntes. No princípio, o verbo das plantas foi conjugado por Makandal; a intimidade com a natureza dava o papo sobre o que fazer e, antes de tudo, ter a sagacidade de que os problemas de casa se tratam dentro de casa. É preciso remover as frutas podres, pois é mais fácil que esta estrague o brilho das frutas intactas com o amor à podridão do que o contrário. O africano que amava ao dominador e queria ser como ele, faria o que fosse possível para estar junto a ele, porque é ali que habita seu coração.

Na sequência, o sangue foi selado com a missão de manter a vingança contra o deus branco nada-poderoso. Isso é sobre colocar a espiritualidade como ponto central, como conexão que torna o africano tão poderoso quanto a explosão de uma bomba atômica. Junto com os crocodilos, a intimidade com a natureza continua tomando partido e os problemas de casa já foram resolvidos. Junto com Boukman, Cécile Fatiman aka Mambo, estudaram por um tempo o caminho de Bwa Kaye Imam, o lugar sagrado do sacrifício, pois nada nasce sem sangue. O que nasceu disso? A queda de inúmeras plantações e milhares de brancos levados a ruínas.

Bwa Kaye Imam! (Dieudonné Cédor)

Espiritualidade é a fonte para não desanimar ou desalinhar a sobrevivência do nosso povo. E, quando entendemos que cultura é espiritualidade na prática, passamos a perceber que é da natureza e de nossos rituais que precisamos como base para futuras estratégias de guerra. Sem Makandal não teríamos Louverture; sem Boukman não teríamos Desalines. Sem Garvey não teríamos Malcolm X. Sem a revolução do Haiti não teríamos nossa bandeira RBG. Sem espiritualidade nunca alcançaremos nossa cultura perdida.

Seria nosso sonho? (Gravura de publicação alemã da época de autoria desconhecida).

A sobrevivência de um povo depende de sua educação e se não soubermos de Haiti e do que precisamos para sermos grandes novamente, continuaremos a ser um povo que acredita que nossa história começou na escravidão e que é importante construir tecnologia para o povo branco ao invés de construirmos para nossa comunidade. E, se a maior tecnologia que temos é a espiritualidade, como temos deixado nas mãos dos outros sendo que é o que mais nos dá poder?

Mais Desalines, menos Ruim à Parte!

Mais Garvey, menos Marx!

--

--

Priscila Argolo
revistaokoto

Ninguém me deu permissão pra sonhar, mas eu já sabia o quanto era bom. Mãe do Jota, companheira do Marquinhos e a humana da Akira.