O preço da liberdade

Balogum Manu Yahya Òkòtó
revistaokoto
Published in
5 min readJun 24, 2022

Ontem, no curso de economia e finanças pessoas para o povo preto que oferecemos pelo Kilûmbu Òkòtó falamos sobre a “Black Wall Sreet”. Pra quem não sabe, existiu um bairro preto nos Estados Unidos que contava com diversos empreendimentos cujos proprietários eram pretos. Um bairro preto cheio de empreendedores pretos que prosperavam. Por isso ficou conhecido como “Black Wall Sreet”.

Acontece que em 1921 o bairro foi destruído por brancos que desejavam linchar um jovem preto com base numa falsa acusação de assédio (soa familiar?).

Ilustração: Vitória Camilly

Falamos também sobre a UNIA. E a uma galera ficou abismada de descobrir o motivo pelo qual Marcus Garvey foi preso. Garvey, que fazia questão de ser o mais cuidadoso possível pra não ter problemas com o governo foi acusado de fraude financeira depois de enviar folhetos de venda de ações da Black Star Line com foto um navio que ainda estava sendo negociado. Como o navio ainda não era dele ainda, consideraram que ele tava fazendo uma espécie de “propaganda enganosa”. Era a brecha que o sistema queria. Garvey foi preso e depois deportado.

Quando a gente olha a trajetória de qualquer preto ou grupo de pretos que ousou causar qualquer arranhão que seja à estrutura do mundo branco, vemos que a consequência é perseguição e morte.

E aí quem nunca tinha parado pra pensar nisso ou até mesmo quem já parou pra pensar vai ficar tipo: “eita porra. To caminhando em direção à morte? Quero morrer não”

Bom, tem algumas paradas que a gente pode tirar daí.

A primeira seria pensar que viver no mundo branco é já estar morto como preto. Você só vive se matar o que existe de preto em você. Então mais vale morrer como preto do que viver como branco.

Mas apesar de ser uma abordagem válida, acho que ela cai numa superficialidade perigosa. Cai num lugar de: “é isso aí mesmo. O branco arruma um jeito de destruir a gente quando quer. O que nos resta é fazer o que der pelo tempo que for permitido”. O branco acaba, novamente, assumindo um lugar de todo poderoso. Então o discurso de autonomia, de emancipação acaba fazendo uma contrapropaganda do caralho: “po, se eu me juntar a vocês eu vou morrer e não posso fazer nada sobre isso? Quero não, obrigado”

Pra fugir dessa armadilha a gente tem que se voltar pra Exu. Tem que se voltar pra Capoeira.

Exu é justo. Ele diz pra gente que não tem nada que a gente não seja capaz de conquistar. O que existe é custo que a gente não tá disposto a pagar, ebó que a gente não tá disposto a fazer.

E na Capoeira a gente aprende é feio tomar a mesma rasteira toda vez. Ou ver alguém tomando uma rasteira, entrar no jogo e tomar a mesma rasteira, do mesmo jeito, dada pela mesma pessoa.

É preciso pensar possibilidades do que fazer pra não cometer um erro que você já cometeu antes ou que você já viu alguém cometendo.

Nesse pique, tem duas coisas essenciais que a gente precisa fazer pra quebrar esse padrão.

A primeira é a disputa de narrativa. É o poder da narrativa que faz as pessoas pretas aceitarem uma operação policial matar 20, 30 pessoas pretas em favelas. É o poder da narrativa que faz o branco definir Garvey e Malcolm X como extremistas mesmo que eles não tenham matado ninguém. É o poder da narrativa que faz uns retardado falar que Garvey era o Hitler Negro, mesmo que ele não tenha matado ninguém, enquanto Hitler matou milhões.

O branco te define como extremista sem que você mate ninguém, sem que você agrida ninguém . E uma vez que ele foi bem sucedido em te rotular como extremista, se você bater num branco em legítima defesa eles vão falar: “alá, num falei que ele era extremista?”

O monopólio da narrativa permite que o branco venda pra gente as ideias mais absurdas e sem sentido. E, na ausência de outra, a gente compra a deles. Enquanto a gente não desenvolver nossa própria mídia e fazer ela ter alcance, a narrativa do branco vai esmagar a gente.

A outra parada essencial, que se conecta à primeira, é nos prepararmos não só pra morrer, mas também pra matar. Se você sabe que vão querer te matar, nada mais prudente do que se tornar mestre na arte de se defender.

Quando Luiz Gama disse que “O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”, ele construiu uma nova narrativa. Da mesma forma, Malcolm disse: “Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor”. E disse também: “Seja pacífico, seja cortês, obedeça às leis, respeite a todos; mas se alguém colocar as mãos em você, mande-o para o cemitério”

Precisamos construir a narrativa de que qualquer violência que direcionarmos ao branco é em legitima defesa. Mas não adianta nada construir essa narrativa que a gente não estiver pronto pra ação.

E em última análise, se a conclusão for que a gente vai morrer de qualquer forma, que a gente não se permita morrer sem dar prejuízo. E sempre que um de nós tombar, que a gente tenha a capacidade de se vingar.

“Se Devemos Morrer, que não seja como porcos

Caçados e presos em um local inglório,

Enquanto à nossa volta latem os cães loucos e famintos,

Zombando de nosso destino maldito.

Se devemos morrer, vamos morrer nobremente,

Para que nosso precioso sangue não seja derramado em vão

Então até mesmo os monstros que desafiamos

Serão obrigado a nos honrar ainda que mortos!

Ó, irmãos! Devemos enfrentar o inimigo comum!

Embora em menor número, sejamos corajosos,

e contra seus mil golpes revidemos com um só mortal!

E daí que diante de nós esteja a sepultura aberta?

Como homens, enfrentaremos o bando assassino e covarde,

Pressionados contra a parede, morrendo, mas revidando.”

(Claude McKay)

Homem preto encarando branco armado no “Verão vermelho” em 1919 (detalhe do menor todo Exuzinho)

--

--