O Preço que se paga

Bianca Melo
revistaokoto
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3 min readApr 14, 2021

Presta atenção

Nenhum preto que ascendeu socialmente nesse país o fez sem ter se comprometido. A galera ficou tão versada no jogo, que sabe muito bem até onde pode ir sem gerar prejuízo próprio. Até porque a primeira coisa que se aprende numa sociedade racista é se preocupar consigo primeiro e só jogar pra “comunidade” quando é vantajoso PARA SI.

Em economia, o conceito de sensibilidade e elasticidade de oferta e demanda diz o quanto você pode subir de preço em determinado produto ou serviço, sem que aquilo resulte em redução no consumo. Assim, você consegue identificar até onde o mercado é sensível a sua variação de preço.

Isso se aplica muito ao combate ao racismo. Há um nível de sensibilidade que o brankkko possui ao ser confrontado em suas atitudes racistas. Se você ultrapassar esse nível, sendo diretamente combativo, a chance se ser taxado como agressivo ou radical aumenta, resultando em exclusão social e “prejuízo” individual ao preto que decide ultrapassar essa elasticidade.

O preto que manja em perceber esse nível de sensibilidade, segue crescendo e se integrando ao meio brankkko e, na maioria das vezes, lucrando com isso. E nessa, valem todas as artimanhas: cabe o choro sentido feat textão nas redes sociais, cabe o lugar de educador/coach, tudo em busca de destaque ou, no mínimo, não ser visto no radar a ponto de perder seu emprego/promoção/etc.

Ilustração: Izaias Oliveira

O Big Brother mostra muito como funciona essa relação. O que pareceu um “grande ato de resistência e coragem”, em que o racista foi apontado por ser racista ao vivo em rede nacional e, quem diria, não compreendeu nada. A blogueira preta, que ascendeu no mundo de influência na área da moda e beleza, sabia bem até onde podia ir ao se colocar na posição de “educar” esse brankkko, sempre soube. Ela não bateu porque sabe onde o calo aperta e até onde é preciso se submeter pra ser visto com bons olhos por aqueles que assinam o cheque. No dia seguinte, teve um choro sofrido com um desabafo, que lembra 11 entre 10 relatos de racismo que você encontra nas redes sociais, e que geram zero resultado efetivo pro o povo preto.

Não é à toa que nas redes foi uma chuva de “Camila sensata”, na maioria por parte dos incolores ~ aliados ~. É sempre a mesma lógica: seja preto, mas não tão preto. Se imponha, mas somente se a sua pauta se aproxima da minha, e que a sua posição não ameace o lugar onde estou. Um ano atrás, nesse mesmo programa, uma outra preta com esse perfil ganhou o caneco gente, a fórmula tá pronta. Ela foi didática porque sabe que coach de diversidade dá dinheiros e fecha contratinho. E sabe que se abraçar o estereótipo de “preta raivosa” ela verá muitas portas fechadas. Combater racismo com choro e paciência é muito mais lucrativo.

O custo de tratar racista como merece é alto pra quem quer ascender no meio deles. Eles pagam o preço de se integrar porque querem.

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Bianca Melo
revistaokoto

Eu cheguei no bregafunk ninguém deu nada por mim