O que eu faço brincando quero ver você fazer

Magrinha Òkòtó
revistaokoto
Published in
3 min readNov 9, 2021

Acho que todo mundo já viu na academia aquela galera fazendo caras e bocas de esforço pra levantar peso ou algo do tipo. Daí você vai pra roda de capoeira e vê todo mundo lá com sorrisão no rosto, aquela cara de deboche e pensa: “deve ser de boa fazer isso”. ledo ledo ledo ledo engano.

Arte: Iza Oliveira

Esses dias no treino uma pessoa tava com dificuldade com um movimento e veio falar pra mim: “Nossa, olhando parece tão fácil”. Pois é, a graça é essa, trocar a mão pelo pé sem fazer esforço, a leveza no movimento que coitado daquele que levar o golpe. Fazer tudo brincando e sorrindo, o problema é que muita gente confunde fazer algo brincando com fazer algo de qualquer jeito.

Pra além disso de ver alguém fazendo algo com tranquilidade tem muito de colocar tudo que é de preto naquele lugar de fácil, dos branc’os fazerem isso e da galera preta também fazer. “Eu já sou todo melaninado, vai ser fácil”. Confia mesmo só nisso kkkkkk. E isso diz muito sobre a galera que bate no peito pra falar que é o movimento negro, porque pra eles qualquer coisa já tá bom. Faz só porque parece fácil, mas no momento que vê que não é bem assim já vai reclamar que a demanda de esforço é muito alta, então é mais fácil se limitar por baixo e fazer pouco ou nada.

Quem já andou com berimbau na rua ou qualquer instrumento de percussão sabe que sempre tem aquele sem noção na rua que pergunta se pode tocar. Porque as nossas coisas tão nesse lugar de qualquer um pode botar a mão. Você não vai ver alguém perguntando se pode tocar um violino por exemplo. O nosso é qualquer coisa, qualquer som que sair do pandeiro já é algo, qualquer som que sair do berimbau, atabaque, djembe, alfaia, etc a pessoa já se sente tocando algo. E a gente caminha pelo mesmo desrespeito quando acha que vai sair tocando ou fazendo alguma movimentação de capoeira sem treinar.

Como se aquele capoeirista que a gente olha com o sorriso no rosto não tivesse treinado pra poder fazer o que faz. Ou você acha que do nada ele apareceu e já sabia tudo com pouco ou nenhum esforço? Se vocês já ouviram a história do Mestre Pastinha ele fala que Benedito, um senhor africano, o chamou e falou pra ele parar de perder tempo com outras coisas e fosse ter aulas com ele, porque ele iria o ensinar como se defender. Não foi da noite pro dia que ele se tornou Mestre Pastinha. Mas ele fez por onde honrar para ser Mestre Pastinha.

Ele teve que reservar tempo e dedicação pra chegar onde chegou.

A galera quer chegar no final da corrida sem ter corrido, é essa expectativa que faz a pessoa pensar que tudo é difícil. Na verdade é processo, se é difícil ou fácil, rápido ou devagar, é a sua dedicação ao processo que vai dizer. Pra quem nunca correu na vida fazer um percurso de 10km é difícil, mas pra quem treina e corre todo dia fazer esses mesmos 10km pode ser fácil.

Capoeira é sagrada, tambor é sagrado, nosso corpo é sagrado. É fácil falar, assim como olhar alguém fazendo é fácil, quero ver fazer e tratar a capoeira, o tambor e o seu corpo como de fato sagrado.

O lance de fazer as coisas brincando é uma das razões pra galera ai afora ter raiva do Òkòtó, porque a gente faz tudo no deboche, na leveza. Com curso de história, idioma, economia, grupo de capoeira, famaad, etc. E a galera não pode nem falar que é pouca coisa, porque se for pouca coisa então porque não ta fazendo?

Mas o que o capoeira faz brincando quero ver você fazer.

Arte: Mischellye Rocha

--

--