O que seria dos mais velhos se não fossem os mais novos?

Johnny Cesar
revistaokoto
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3 min readMay 8, 2023

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Um dia desses (dia muito importante inclusive) conversando com Zezi ela me disse essa frase e até agora to refletindo sobre ela. A cultura afrikana é rica em diversos aspectos mas um dos que eu enxergo como mais belos é o espaço de crescimento mútuo e recíproco que ela proporciona, o mais velho detentor da maior concentração de saberes e experiências dentro de determinado contexto reconhecer o seu lugar como mais velho e ainda assim se manter receptivo para troca de experiências e saberes com os mais novos. Assim é no candomblé, na capoeira, no maracatu, no samba e nas demais manifestações espirituais e culturais afrikanas.

Nas palavras de zezi naquele dia, “o poder de um abian é não saber e o que seria do mais velho se não fosse o mais novo pra relembrar a importância do básico?”. O mais velho é essencial pra manter viva a tradição e as raizes da cultura, e o mais novo por sua vez, está na posição durante o seu processo de aprendizado de relembrar ao seu mais velho os ensinamentos que há muito foram aprendidos e com isso também fortalecer a tradição.

Essa relação confere responsabilidade a quem aprende e a quem ensina, pois a pessoa que naquele momento está na posição “aprendiz” também ocupará a posição de “mestre” em outro momento fazendo girar o saber e o conhecimento como deve ser na vida em comunidade. O que também é um outro ponto crucial no processo de aprendizado de modo geral, a passagem do conhecimento a outra pessoa como uma das, se não a, melhores formas de se aprender.

O mundo ocidental chama de “estudo ativo”, quando você questiona, prepara materiais, resolve questões e em resumo, da utilidade ao conhecimento adquirido quando quer ensinar alguém. E criaram a pirâmide de aprendizagem, pra avaliar qual seria o melhor método de aprendizado, chegando a conclusão científica de que, de fato, o formato ideal de aprendizado passa essencialmente pelo compartilhamento desse conhecimento da forma que ele foi entendido. Algo que na prática já era entendido e utilizado pelos povos africanos de modo geral, e até hoje apesar de tudo ainda é reproduzido pelo continente e na diáspora através dos mestres de capoeira, dos mestres de bateria e das nações de maracatu e nas demais lideranças dentro das nossas manifestações. Algo que há algum tempo atrás até mesmo o próprio Malcolm já entendia e utilizava como método pra “pescaria” da NOI, onde o processo dos novos convertidos passava, já em sua fase final, pelo trabalho de voltar às ruas e espalhar os valores da NOI aos antigos amigos e conhecidos.

Conhecimento é asé, é exu, é capoeira e ele não se faz sem movimento.

“Menino quem foi seu mestre?

Meu mestre foi Salomão

Sou discípulo que aprendo

Sou mestre que dou lição…”

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