O QUE VOCÊ FAZ COM A SUA LIBERDADE?

Arokin Akasia
revistaokoto
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4 min readJun 21, 2021

Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830–1882) foi um negro livre.

Pra começar o passado não livre dele não me interessa muito, ele conquistou sua liberdade, viveu em liberdade, morreu em liberdade e isso é o que vejo quando olho pra história deste homem.

Baiano que, por infortúnio da realidade de um negro jovem no Brasil naquela época mais a displicência de seu pai branco, foi parar em São Paulo para ser vendido ainda criança. Lá foi alfabetizado entre os 17 e 18 anos, fugiu para conquistar sua liberdade nesta idade, anos depois, após passar pelo exército e ter sido expulso por insubordinação, aprendeu o ofício do direito, foi impedido de realizar o curso como aluno regular, mas isso não o impediu de exercer sua profissão e se tornou um rábula (advogado sem diploma exercendo função).
Para mais informações sobre a vida do cara, pega nas páginas de História da casa.

Teve diversas profissões ao longo da vida, entretanto nessa que mencionei se fez notório seu desempenho tanto que o faz ser reconhecido até os dias de hoje. Enquanto advogado ele tinha um único objetivo: libertar o máximo de negros escravizados que conseguia através da defesa dos casos em tribunal. Luiz Gama conseguiu pelo menos 500 libertações em seu período advogando, não o fez esperando algo em troca como declarou uma vez

“Eu advogo de graça, por dedicação sincera, as causas dos desgraçados; não pretendo lucros, nem temo violências”

- Luiz Gama em 18 de nov. de 1869, no Correio Paulistano.

O cara conseguiu com seu ofício tornar um negro livre para cada ano de escravização do Brasil…Enfim

Vejam, ele nasce em um período que, por mais que hoje a gente sabe que 6 anos antes de seu falecimento se extinguiria a legislação colonial da escravidão no Brasil, ainda era uma realidade tão real que sua juventude/adolescência foi vivenciando isso. Sua mãe, como se sabe, teve sua liberdade conquistada também. Mas diferentes dos séculos anteriores, como o Brasil estava a beira da exclusão total da migalha da Isabel, a lei áurea, haviam muitos negros livres. Ele, um deles.

Luiz depois de muito viver e se estabelecer em Chernobyl colonial torna-se um advogado exercendo função, mas sem diproma. O cara fez toda a faculdade e direito (se fundendo), aprendeu toda parada e foi fundo na profissão com um único objetivo em mente: utilizar seus conhecimentos, sua retórica em favor da libertação de outros irmãos ainda escravizados.

Ou seja, o cara estava ainda no período colonial, sendo passado a perna pelo “sistema”/pelos brancos constantemente (homens brancos majoritariamente ferraram a vida e Luiz Gama), conquistou sua liberdade com o dendê baiano e fez o que com isso?

Bom, todo o texto até aqui já deixou isso claro rs

Arte: Izaias Oliveira

Ele fez o que ele tinha em seu alcance para contribuir com o processo de libertação do próprio povo, o cara não tinha diproma, mas isso não o impediu de agir com a profissão em favor do seu povo. Quantos dipromados renomados estão aí mais atrapalhando do que ajudando ao povo proto? A parada não é nem o instrumento que tu usa, mas a que propósito aquilo está endereçado, a quem você está servindo. Enquanto homens (e mulheres, por favor não pensem tão quadrado) livres, supostamente temos a nossa própria sorte para agir sobre o mundo e com o mundo, mas a gente sabe que a realidade não é bem assim. Ainda mais para os homens pretos como o Luiz Gama, que por autodeterminação não foi fadado a viver como um escravo, mas que, logo cedo, a sua vida estava sendo entregue ao sistema. A realidade é que por diversos fatores a maior parte do nosso povo continua presa ao branco, não somos livres enquanto não formos responsáveis pela nossa nação atendendo aos nossos próprios interesses.

Ele poderia ter aceitado o infortúnio e vivido como um escravo, esperando uma carta de alforria, a benevolência de algum senhor (tsc) ou a morte.
Ele poderia ter se livrado e recusado qualquer contato com o contexto de escravidão, ter virado a cara, ficado na sua.

Mas se pá o Luiz entendia que a gente não tem muito tempo nesse mundo e que nossa liberdade precisa ser da melhor bem aproveitada e focada em um propósito, não qualquer propósito, mas a urgência de séculos do nosso povo: a emancipação do nosso povo do mundo branco.

Com isso tudo falado fica aí a questão: você aí que está lendo, sabe que está em regime semi aberto, que de alguma forma ainda experiencia a liberdade, tu ta fazendo o que com ela?

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