O que você faz pela comunidade?

O que você faz pela comunidade determina se você é mesmo parte dessa comunidade, quem você é para ela

Táíwò Òkòtó
revistaokoto
4 min readFeb 17, 2021

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A pergunta:

“O que você faz pela comunidade?”

Tá matando a galera. Eles precisam começar a tentar desmerecê-la agora, fazer piada dela de qualquer jeito, porque se essa parada pega aí já era!

Quer falar de militância e de comunidade, a primeira pergunta deveria ser: o que você oferece à comunidade? O que você faz por ela?Porque tão natural quanto se você quer falar de preto você ser preto e estar envolvido com preto, se você quer falar de coletivo e de militância você tem que tá envolvido com coletivo e militância. Isso é, se você quer falar mesmo de racismo, porque racismo é coletivo, você tem que ter envolvimento com isso.

Isso vai cair mal e ser mal recebido porque vai no calo de geral. Pois o pessoal só sabe falar, falar e falar. Fazer que é bom, nada!! E essa proposta — de antes de mais nada perguntar sobre sua prática — vai direto na cara de vocês.

corra atrás do dia em que não te soará como ofensa alguém te perguntar o que você faz pela comunidade. Porque o que você faz pela comunidade também é sobre quem você é para a comunidade.

Mais importante até que perguntar se você é de direita ou de esquerda ou se já aprendeu que ambos são lixo e devemos correr pela via da autonomia e pensar garveísmo e panafricanismo… mais importante que isso é saber se tá envolvido, se tem compromisso.

Kilûmbu Òkòtó e seu projeto de levar discussões sobre racismo para ruas e praças: o Dissecando o Racismo.

Envolvimento sem compromisso é oportunismo. É só isso.

Pessoal fala de comunidade mas diz aí: qual o compromisso? Faz o que por ela? Fala da pauta, mas qual o compromisso, faz o que por ela?

É um absurdo perguntar a quem queira falar qual seu compromisso com aquilo do que fala?! Aliás, qual seu compromisso com a comunidade, com coletivo, com qual organização, não deveria ser a pergunta mais importante do dia? Antes mesmo do “bom dia”, um “o que você fez (hoje) pela comunidade?” ou o que você fará hoje? Até porque se não fizermos não teremos esse tal “bom dia”, vai continuar mera formalidade e força de expressão. Mero desejo. E só desejar não muda uma realidade.

Mais importante do que aquilo que você deseja é o que você faz para tê-lo.

Ter medo e se sentir ofendido por essa pergunta é um sinal de mediocridade, é sentir a dor da ferida da hipocrisia. Quando você é bom numa parada e gosta, e tá envolvidão mesmo, você ama quando alguém te pergunta daquilo. Tu fica até bolado se não perguntam. Então, a quem essa pergunta ofende?

Chega pro jogador/atacante e pergunta “quantos gols você fez hoje?”. Se ele tiver arrebentado, ele vai ter maior prazer em falar. Mesmo que você já tenha visto o jogo. Se não for o caso, ele fica bolado. E vai perguntar de volta até de forma grosseira: não viu a caralha do jogo?!

“O que você faz pra comunidade? Fecha com quem? Qual sua organização? Qual seu coletivo?”

A quem essa pergunta ofende?

Nessa bolha aqui, que o pessoal gosta de falar de militância e pagar de sabido, é essa a pergunta. E é essa a grande pergunta da qual as pessoas vão tentar fugir.

Mas digo uma coisa: no dia que o pessoal não puder mais fugir dessa pergunta ou que as pessoas adorarem respondê-las, aí sim o tal do “bom dia” deixará de ser só um mero cumprimento/formalidade/desejo para ser uma construção, para ser algo palpável. A construção é o que nos importa. E construção requer organização.

Construção requer família, compromisso, organização. Construção requer Kwanzaa em seus 7 princípios.

Umoja — união, unidade

Kujichagulia — autodeterminação

Ujima — trabalho coletivo e responsabilidade

Ujamaa — economia cooperativa

Nia — propósito

Kuumba — criatividade

Imani — fé

Quando perguntamos o que você faz pela comunidade, também estamos perguntando se você está em dia com esses princípios. Não podemos ter uma relação com eles da mesma forma que a sociedade tem com o tal do espírito natalino, que abraça uma vez por ano, num curto período. E é a organização, o trabalho coletivo, que vai fazer com que a chama de cada uma dessas velinhas não fique acesa por apenas uns dias.

Organização e compromisso vão trabalhar e testar cada um de nós em termos desses princípios todos os dias.

Oficialmente, hoje começa o Kwanzaa. Oficialmente, acaba dia primeiro. E o mais importante para nóis é se você consegue manter esse espírito aceso o ano inteiro, se a sua atenção a esses princípios não será apenas algo passageiro. Você está disposto a abraçar os princípios do Kwanzaa de janeiro a janeiro? Abrace uma organização. Se chame na responsabilidade. E corra atrás do dia em que não te soará como ofensa alguém te perguntar o que você faz pela comunidade. Porque o que você faz pela comunidade também é sobre quem você é para a comunidade. Também é sobre se você faz parte mesmo dessa comunidade ou se é mera casualidade.

Feliz Kwanzaa! E abracem a responsabilidade de serem parte de uma comunidade.

Axé pá nóis!!

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