O Ritual que não Para

Roselaine_Psico
revistaokoto
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3 min readFeb 7, 2021
Ilustração por Izaias Oliveira

Maria Emídio, 84 anos, viúva do Sr. Raimundo. Tem menos de um metro e meio e pariu quatro filhos no meio do mato. Mato que sempre foi lugar comum, sua casa, seu Kilûmbu. Relata as histórias do passado como se tivesse acontecido hoje.

Adora contar “causos” às vezes se perdendo em meio ao tempo. No final sempre cai na gargalhada.

“Não conheci minha avó materna, só meu avó materno…minha avó morreu quando eu tinha oito anos. Não conheci nada, não tinha foto, não tinha nada de nada. Naquela época o povo morria muito cedo, dava bronquite”.

Sobre sua infância;

“Todo mundo precisava ir para roça com uns sete anos… morávamos em Minas Gerais e a situação não tava boa, meu pai plantava milho, feijão, mandioca, abóbora, batata, colhíamos café, cana… O fazendeiro ficava com a maior parte e ele pagava bem barato. Para encher um saco de café demorava um dia”.

“Meu bisavô todo ano pegava uma árvore grande, mais ou menos um metro e meio… Ele fazia uma cruz e fincava no meio da plantação para chuva de vento e pedra não passar por ali. Isso era feito no dia de Santa Bárbara. Quando vinha a tempestade, a chuva passava pela roda (em volta) e não caia no meio da plantação. Passava tudo em volta, vento, chuva e não caia lá. Todo ano meu bisavó fazia oração para Santa Bárbara”.

Pausa — O ritual na verdade era para Iansã que através da merda do sincretismo “virou” Santa Bárbara, mas continuando…

Sobre a vida adulta;

“Mudamos pro Paraná. Na época comentavam que lá a situação estava melhor. Era uma colônia. Tinha uma fileira de casas e as casas eram de madeira. Era chique. A gente morava e não pagava nada. O coronel pagava pelo saco de café e de algodão.

Todo ano, dia de São João, acabava a reza e meu bisavô esperava dar meia noite. Ele fazia a oração e passava três vezes andando pela brasa da fogueira. Ele não corria e não queimava o pé. Na época fazia uma grande roda e todos diziam “seu João vai passar…

Meu pai enchia o terreiro.

Muita gente ia para ver. Ele dizia: quem tiver fé em São João Batista não queima o pé… desde que me conheço por gente, vejo ele fazendo isso. Toda vida ele fez isso. Era uma tradição. Gente da roça”

Pausa 2 — O ritual era para Xangô que através da merda do sincretismo “virou” São João Batista…

Quem conta esses “causos” é Dona Maria Emídio, minha avó.

Ela é magia negra pura.

Ela sempre conduziu rituais sem ter muito esse lance de faz assim ou faz assado.

Pequena na estatura, não foi alfabetizada. Sabe que tem muita mandinga. Até hoje, quando estamos numa encruzilhada, aquela onde Exu não está para brincadeira, passamos na casa dela e descaradamente pedimos uma “oração”.

Essa é Dona Maria, minha avó. Ela sempre fez rituais, oferendas e tem magia negra pulsando pelo corpo, Buhhhhhhhhh.

Lorarye!

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