Opinião vs Entendimento

Bàbálóore Ọmọwale Apókan Òkòtó
revistaokoto
Published in
3 min readJun 24, 2022

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ou Teorização da Espiritualidade

Ter uma opinião não nos dá segurança para defender uma ideia. A construção de uma opinião leva em consideração apenas valores morais. Visto que os valores morais da maioria de nós, pessoas pretas, principalmente as inseridas no contexto de diáspora seguem a cartilha cristã, as opiniões formuladas a partir desses valores estarão corrompidas por esses paradigmas morais que são o completo avesso dos valores culturais Afrikanos. Assim, a defesa de ideias baseadas nessas opiniões estará recorrentemente contaminada e tenderá a reforçar todos os conceitos e pressupostos há muito usados para nos desumanizar.

Ilustração: Vitória Camilly

Isso é bem fácil de observar quando a gente acompanha as opiniões nos comentários da página Orixás e Pretagogias, tanto nas que são a favor quanto nas que são contra o que o texto vem expor. Chega a ser engraçado. E é por isso que a gente avacalha… rsrs.

A contrário de uma mera opinião, o entendimento, sim, nos dará base sólida para defender uma ideia. Pois para além de valores morais, o entendimento para ser elaborado levará em conta construções teóricas alinhadas a experimentações práticas daquilo se busca apreender. E quando falo em construção teórica não estou limitando à leitura de livros, teses, artigos, revistas, periódicos, audiovisual etc. A construção de teorias pode muito bem ser fruto da concatenação de ideias a partir da eventos cotidianos.

No entanto, ainda assim os valores morais possuirão um grande peso nesse processo todo. Pois se esse valores não estiverem sendo baseados numa moralidade Afrikano-centrada (ou centrando em Áfrika, visto que é um caminho muitíssimo longo a se percorrer ou a retornar), pode-se cair na armadilha de confundir a aquisição de um entendimento com a formulação de uma opinião. Pois o seu recurso teórico e a forma como irá observar as experimentações práticas estando apontadas pra direção errada irão macular todo o trabalho que transformaria a correlação de ideias em entendimento. Por fim, acabaria novamente virando opinião.

Ao tratar de espiritualidade Afrikana trazendo ideias, principalmente as que confrontam os pressupostos morais ocidentais, rapidamente surge uma chuva de opiniões que claramente os possui como base. Isso mostra como ainda hoje, mesmo com recursos teóricos disponíveis para formularmos um entendimento independente, permanecemos amarrados a barra da saia da sinhá. É daí concluímos que sem o apoio de uma base moral voltada para Áfrika, as próprias experimentações práticas serão apenas a reprodução das instruções constantes na cartilha cristã.

Disso tudo não é possível sair qualquer entendimento a respeito de espiritualidade, pelo menos não uma espiritualidade Afrikana. O que vai surgir dessa equação toda é apenas a teorização da espiritualidade.

A internet tá cheio de teórico de espiritualidade. Gente que vive performando o brankkko e seus valores acumuladores, predatórios e individualistas, ao mesmo tempo que quer pagar de espiritualizado, entendedor de cultura Afrikana, elaborando conteúdo sobre tudo aquilo que nunca viveu, só leu em livro. E aqui nem tô falando de vivência em terreiro ou qualquer outra comunidade religiosa (e precisamos estar cientes da diferença entre religião e espiritualidade), falo mesmo da forma como essas pessoas lidam e se relacionam com o mundo a seu redor. Pois espiritualidade é relação de reciprocidade com tudo.

No fim teorização da espiritualidade nada mais é do que formação de opinião. Enquanto sua base moral estiver atravessada pelo adestramento brankkko, a transformação de informações à respeito do nosso modelo cultural em verdadeiro entendimento permanecerá no campo da impossibilidade.

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