Pais Reis Pretos

Jess Makandal
revistaokoto
Published in
2 min readMar 19, 2021

Quando eu era bem erêzinha, me ensinaram que eu não tinha um pai, então cresci dizendo pra quem quisesse ouvir, que euzinha, não tinha pai nenhum. Mas Exu acertou ontem, a pedra que arremessou hoje, e o Tempo... Haaaa Tempo sabe de todas as coisas.
Mesmo dizendo até pras pedras que eu era uma filha sem pai, minhas lembranças, desde a mais antigas até os dias atuais, me provam o contrário, rasteiras que a vida dá e essa, foi uma das melhores que já tomei.
Eu tenho muitas lembranças de infância, e em todas elas está a minha primeira referência de pai, meu pai-avô.
Seu Antônio era um pretão teimoso que só ele, quem o via de fora ficava com medo pela aparência turrona, mas com a família, principalmente netos, ele era todo derretido, comigo então, dava até nojo, sempre me contava inúmeras histórias, me carregava pra todo canto com ele e quando não podia me levar, era batata, sempre me trazia um presente, mas os que eu mais gostava mesmo, eram os brinquedos de madeira que ele fazia pra mim. Eu amava quando ele pegava um caixote cheio de fitas K7, um gravador velho e a gente passava horas e horas ouvindo música juntos.
Meu avô era um homem preto, pai presente, cuidadoso com sua família e muito, muito amoroso.
Quanto ao meu outro pai, aquele que chamam de biológico, não tenho muitas lembranças de infância, mas um conflito com minha mãe, se fez a pedrada de Exu na minha vida, esse conflito fez com que eu fosse "obrigada" a viver com aquele que eu neguei a vida toda.
Seu Adilson me recebeu em sua casa como se eu fosse a coisa mais importante que já tinha posto os pés ali, e pra ele, realmente era. Eu, desconfiada como sou e carregando na cabeça uma pilha de negações sobre aquele homem, não acreditei nadinha, mas mais o vez o Tempo me mostrava que sabia de tudo. Passei 22 anos sem ter Seu Adilson na minha vida, mas ganhei do Tempo, 365 dias que valeram por uma vida inteira.
Meu pai, Seu Adilson foi o cara mais engraçado que eu já conheci, tinha espírito de erê o danado, adorava aprontar com os outros, fazia piada de tudo, nada tirava o bom humor dele.
Durante esses dias, ele se mostrou um pai zeloso, cuidadoso, muito carinhos e ao contrário do que me disseram a durante toda minha vida, ele me provou que sempre me quis na dele.
Hoje ambos já viraram ancestrais, em corpo, não se fazem mais presente, mas nas minhas memórias permanecem vivíssimos. E eu que cresci dizendo que não tinha nenhum pai, hoje sei que na verdade tive dois Pais Reis Pretos.
Laroye Exu!
Zara Tempo!

--

--