Pra que lutar se é apenas um nome?

Akilah Raawiya Òkòtó
revistaokoto
Published in
3 min readJan 12, 2021

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Ilustração: Izaias Oliveira

Há alguns anos, assisti a cena de um filme na temática sobre escravidão, que me marcou muito, e na época me deixou bem pensativa:

Havia um homem preto amarrado a um tronco, e um homem branco segurando um chicote. Nenhuma novidade até aí, senão fosse o motivo do castigo. Aquele homem preto escravizado, possuía seu nome africano e queria ser tratado como tal, porém o homem branco escolheu outro para ele, e o mesmo não aceitou.

Cada vez que ele se negava a dizer, que seu nome era aquele que o branco lhe deu, levava uma chibatada.

Se negava. Chibatada.

Se negava. Chibatada.

Se negava. Chibatada.

Em dado momento ele já estava todo ensanguentado e perdendo os sentidos. Lembro de ter pensado: “Não acredito que esse homem está sofrendo desse jeito, e vai acabar morrendo SÓ POR CAUSA DE UM NOME! É apenas um nome…”

Muitos anos depois, eu entendi que não era apenas um nome.

Há muitas perspectivas e apontamentos que podem ser feitos sobre esta situação.

Mas de primeira já se identifica um tripé básico:

Se tratando do nome, ele faz parte daquele conjunto de características exclusivas que formam um indivíduo. (Identidade)

Ele carrega significados, e o legado de um povo. (História)

Define quem somos. (Poder)

A batalha que aquele homem preto escravizado corajosamente estava travando, não era só por causa de um nome. Era uma luta para não perder sua identidade, sua história, e o seu poder de autodeterminação.

Pois como bem disse Frederick Douglass:

“O conhecimento torna um homem inapto para ser um escravo.”

E os brancos sempre souberam disso.

Nós aqui da diáspora estamos nessa busca de ir juntando os pedaços, pois fomos fragmentados. E nosso nome africano faz parte da caminhada.

Muitos daqueles que vieram antes de mim, e que me inspiram, (tais como Kwame Ture e Marimba Ani), passaram por este processo. Mas é algo muito particular e que acontece no seu devido tempo.

Eu trabalho diariamente com história preta, me dedico à traduções e pesquisas intensas, para só então fazer um cruzamento de informações e produzir um conteúdo final. Não é algo mecânico. Eu coloco meu coração neste trabalho, para tocar espíritos e ajudar a libertar mentes africanas.

E sempre que eu ia assinar um texto, contar sobre o projeto Descobrindo a História Preta, e até mesmo me apresentar, surgia um incômodo.

Alguma coisa não estava encaixando.

Lembro que durante esse período eu tive um “pesadelo”, e acordei desesperada na madrugada sentindo medo. Eu tinha morrido. Foi tão real…

Aí conversando com um brabo sobre o que aconteceu, recebi uma visão preta do ocorrido. Ele me disse que nem sempre sonhar com morte é ruim. Que pra nascer é preciso morrer. E quantas de mim já não havia morrido e ainda morreriam?

O incômodo era esse.

Aquele nome não representava mais essa mulher, nesta caminhada, desenvolvendo este trabalho, se juntando com os seus para construir…

Pra nascer é preciso morrer.

Partindo deste princípio, me dediquei profundamente à essa procura e encontrei:

Akilah

Significa inteligente. Aquela que tem razões. É um nome no idioma Swahili, encontrado na região da África Oriental, mais precisamente no Quênia e Tanzânia. Escolhi esse porque…ah…deixo por conta da imaginação do leitor. Risos.

Raawiya

Significa “Contadora de histórias”. É no mesmo idioma, região e países que o nome anterior. Escolhi esse porque é o que eu sou. É o que eu faço. É o que me move. Contar as histórias do meu povo para o meu povo.

Òkòtó

É um nome de família. A família que escolhi e que me abraçou. É a comunidade ao qual pertenço e a qual me junto para construir. Òkòtó é o primeiro Exú. O Orixá da expansão. Usando a reciprocidade como medida. Nome que carrego com responsabilidade, orgulho e que sempre buscarei honrar.

Portanto:

Sem pedir permissão ou esperar aprovação…

Seguindo os passos dos ancestrais que travaram essa batalha (contra a morte de um povo), do continente até aqui…

Meu nome é Akilah Raawiya Òkòtó.

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