Pra que lutar se é apenas um nome?
Há alguns anos, assisti a cena de um filme na temática sobre escravidão, que me marcou muito, e na época me deixou bem pensativa:
Havia um homem preto amarrado a um tronco, e um homem branco segurando um chicote. Nenhuma novidade até aí, senão fosse o motivo do castigo. Aquele homem preto escravizado, possuía seu nome africano e queria ser tratado como tal, porém o homem branco escolheu outro para ele, e o mesmo não aceitou.
Cada vez que ele se negava a dizer, que seu nome era aquele que o branco lhe deu, levava uma chibatada.
Se negava. Chibatada.
Se negava. Chibatada.
Se negava. Chibatada.
Em dado momento ele já estava todo ensanguentado e perdendo os sentidos. Lembro de ter pensado: “Não acredito que esse homem está sofrendo desse jeito, e vai acabar morrendo SÓ POR CAUSA DE UM NOME! É apenas um nome…”
Muitos anos depois, eu entendi que não era apenas um nome.
Há muitas perspectivas e apontamentos que podem ser feitos sobre esta situação.
Mas de primeira já se identifica um tripé básico:
Se tratando do nome, ele faz parte daquele conjunto de características exclusivas que formam um indivíduo. (Identidade)
Ele carrega significados, e o legado de um povo. (História)
Define quem somos. (Poder)
A batalha que aquele homem preto escravizado corajosamente estava travando, não era só por causa de um nome. Era uma luta para não perder sua identidade, sua história, e o seu poder de autodeterminação.
Pois como bem disse Frederick Douglass:
“O conhecimento torna um homem inapto para ser um escravo.”
E os brancos sempre souberam disso.
Nós aqui da diáspora estamos nessa busca de ir juntando os pedaços, pois fomos fragmentados. E nosso nome africano faz parte da caminhada.
Muitos daqueles que vieram antes de mim, e que me inspiram, (tais como Kwame Ture e Marimba Ani), passaram por este processo. Mas é algo muito particular e que acontece no seu devido tempo.
Eu trabalho diariamente com história preta, me dedico à traduções e pesquisas intensas, para só então fazer um cruzamento de informações e produzir um conteúdo final. Não é algo mecânico. Eu coloco meu coração neste trabalho, para tocar espíritos e ajudar a libertar mentes africanas.
E sempre que eu ia assinar um texto, contar sobre o projeto Descobrindo a História Preta, e até mesmo me apresentar, surgia um incômodo.
Alguma coisa não estava encaixando.
Lembro que durante esse período eu tive um “pesadelo”, e acordei desesperada na madrugada sentindo medo. Eu tinha morrido. Foi tão real…
Aí conversando com um brabo sobre o que aconteceu, recebi uma visão preta do ocorrido. Ele me disse que nem sempre sonhar com morte é ruim. Que pra nascer é preciso morrer. E quantas de mim já não havia morrido e ainda morreriam?
O incômodo era esse.
Aquele nome não representava mais essa mulher, nesta caminhada, desenvolvendo este trabalho, se juntando com os seus para construir…
Pra nascer é preciso morrer.
Partindo deste princípio, me dediquei profundamente à essa procura e encontrei:
Akilah
Significa inteligente. Aquela que tem razões. É um nome no idioma Swahili, encontrado na região da África Oriental, mais precisamente no Quênia e Tanzânia. Escolhi esse porque…ah…deixo por conta da imaginação do leitor. Risos.
Raawiya
Significa “Contadora de histórias”. É no mesmo idioma, região e países que o nome anterior. Escolhi esse porque é o que eu sou. É o que eu faço. É o que me move. Contar as histórias do meu povo para o meu povo.
Òkòtó
É um nome de família. A família que escolhi e que me abraçou. É a comunidade ao qual pertenço e a qual me junto para construir. Òkòtó é o primeiro Exú. O Orixá da expansão. Usando a reciprocidade como medida. Nome que carrego com responsabilidade, orgulho e que sempre buscarei honrar.
Portanto:
Sem pedir permissão ou esperar aprovação…
Seguindo os passos dos ancestrais que travaram essa batalha (contra a morte de um povo), do continente até aqui…
Meu nome é Akilah Raawiya Òkòtó.