Quando o delírio é um quilombo mental

Marcos Andrade
revistaokoto
Published in
4 min readOct 28, 2021
Por Iza Oliveira

Arthur Bispo do Rosário Paes tem uma origem incerta, lhe é atribuída a naturalidade em uma cidade pequena a 52 quilômetros da capital sergipana, chamada Japaratuba. Contudo, fontes divergem quanto a precisão de seu nascimento. Em 14 de maio de 1909, Minas Gerais, no registro da Marinha de Guerra. Nos documentos da Light, empresa onde trabalhou por 4 anos, consta seu nascimento em 16 de março de 1911 em Japaratuba. Ambas com a mesma filiação, Adriano Bispo do Rosario e Blandina Francisca de Jesus. Já nos documentos de uma Igreja em Japaratuba há uma criança batizada como Arthur aos 3 meses de idade com os pais Claudino Bispo do Rosario e Blandina Francisca de Jesus em 05 de outubro de 1909.

Bispo passou 50 anos de sua vida (1938 á 1989) internado na Colônia Juliano Moreira, não teria recebido visitas e fora enterrado como indigente em uma cova comum e em seu atestado de óbito constou a seguinte observação: “deixa bens: Ignorado.”

Contudo, esse homem preto foi muitas coisas na vida e deixou uma “obra” extensa que 12 anos após sua morte fora apropriada de modo que ele recusara durante toda sua existência, Arte Plástica de peculiar genialidade reconhecida mundialmente e tombada como patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro.

Marinheiro e boxer campeão dos pesos leves, deixou a carreira de pugilista ao sofrer um acidente que lesionou seu pé a impossibilitando. Processou a Light, onde trabalho e passou a ser uma espécie de faz tudo e guarda costas da família do advogado de sua causa, até que recebe sua “revelação”, onde ele teria se visto descendo dos céus acompanhado de 7 anjos (curioso o número, não?) nos fundos da casa dessa família em botafogo, bairro da zona sul, área dos oynbos cariocas.

Após a abertura do quadro delirante ou sua revelação, bispo tem diversas idas e vindas do manicômio de Jacarepaguá, ora por fugas outras por altas hospitalar e tentativas de integração, até que retorna definitivamente em 1964 até sua morte em 1989. Insubmisso as práticas asilares de contenção, seja medicamentosa quanto a eletrochoques e por isso mesmo também utilizado para o serviço sujo de conter outros internos, Bispo era tido como xerifão e foi colocado no pavilhão presidio do Ulisses Viana por 3 meses, onde teria ouvido vozes que indicaram-no que sua missão seria representar todas as coisas existentes na terra para apresentação no dia do juízo final

O brabo confinou-se por 7 anos (novamente gente, olha numerozin ai de novo! Deu até vontade de cantar… Oh sete oh sete oh sete encruzilhada…) em uma das celas do presidio do Ulisses Viana e utilizando linhas desfiadas dos uniformes azuis dos internos, agulhas e toda sorte de objetos recolhidos pela Colônia, edificou estandartes, barcos, mantos, dentre os quais talvez seu trabalho mais conhecido, o manto da apresentação com o qual estaria trajado no dia do juízo final e apresentaria a deus a recriação do mundo sem doenças, miséria e sofrimento. Ou seja, Bispo ousou apresentar a Deus sua recriação do mundo, muito melhor do que esse Deus teria feito até então. Esse manto imponente foi confeccionado por décadas a partir de um cobertor velho, bordado por todos os lados com palavras que resumiriam seu trabalho.

Bispo tornou-se em um ancestral aos 80 anos e ao longo desses anos, tomaram-lhe tudo, ninguém reivindicou por ele, senão ele mesmo reivindicou sua vida e seu mundo através de suas ideias, as quais o classificaram como louco, esquizofrênico paranoide. Queria convocá-los a responder, qual homem negro integrado a sociedade branca e suas exigências e limites de participação não é em extensa medida um alienado mental, espiritual e corporal? Qual homem preto seria considerado em nossa comunidade saudável e normal, se não fosse ele um paranoico em relação a tudo que vem do branco?

Arthur Bispo do Rosário teve todas as coisas desse mundo tiradas de si e em nenhum momento rendeu-se em vida. Sua vida era sua e mesmo extinta e sua “obra” roubada, ela nunca foi e nunca será patrimônio de Estado branco algum. Ele a reservou para si em seu “delírio” sendo este seu quilombo, onde exerceu sua plena liberdade e autonomia.

Imagem retirada da internet

Salve Arthur Bispo do Rosário!!!

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