Reino Próspero
A vida de mercador ambulante é uma vida de andanças e por mais que passe por tantas cidades lembro de cada uma delas. Em todos os lugares as pessoas se surpreendem por eu conseguir vender o que vendo. Não é diferente hoje, a primeira senhora que parei já foi me falando:
- Impossível vender essas mercadorias.
- Às vezes é difícil mas se dá um jeito - respondi.
- Já está velho! Por que em vez de ficar andando por aí não toma morada fixa em algum lugar?
- Eu gosto da estrada e dos caminhos, cada viagem é uma história diferente - lhe respondi a verdade.
- Então me diga uma enquanto lhe preparo um prato. Olha! Chega está magro! Assim não pode! - falava enquanto olhava pra mim.
Antes de continuar preciso que saibam que sim, sou magro! Mas sempre fui magro e talvez por isso receba muito mais ofertas de refeições do que realmente preciso, provavelmente sempre acham que estou com fome. Mas de qualquer forma comecei a lhe contar uma história:
- Vou lhe contar algo que me aconteceu recentemente e também há muito tempo.
- Mas como pode? Ou aconteceu há muito tempo ou aconteceu há pouco tempo - me interrompeu levantando as mãos pro alto como se eu lhe contasse uma mentira.
- Calma. Vou explicar. Alguns meses atrás como que por um desvio do destino fui parar em um reino que já havia visitado nos meus anos de moço. Veja que quando passei por lá na juventude me consideraram um louco. O reino estava em guerra com um reino vizinho pra mais de décadas. Mas dessa vez não, como já estou velho tomo mais cuidado e já sabia de antemão que tal reino tinha feito um acordo de paz.
- Devem viver muito melhor agora, a guerra é horrível!
- Pois eu mesmo pensei isso! Mas encontrei muita fome e parece que faltava tudo, de comida a vontade de viver.
- Nossa! E como era antes então?
- Antes na verdade me parecia até como muitas das cidades pelas quais passo, apesar de todos terem uma história sobre alguém que batalhou na guerra e morreu.
- Não entendi, como na guerra pode parecer melhor que sem guerra?? Como pode isso???
- Se levar um desses eu te conto como - apontei para a minha mercadoria.
Ela parou um tempo olhando para minha cesta, mas seus olhos de curiosidade já tinham me respondido o que sua boca falou:
- Tá bom! Me vê um desses negócio que você vende! Mas me conte!
- Então, quando o reino estava em guerra eles também tinham muitas dificuldades pelo que me contaram na época. Deviam tomar cuidado por onde passar, faltava algumas mercadorias porque mercadores, mais prudentes do que eu na época, não se arriscavam a passar por lá. Além disso muitas pessoas morriam guerreando, mas eles tinham muito orgulho daqueles que lutaram defendendo o reino. Note que nessa época mesmo com tudo isso eles defendiam suas riquezas e na medida do possível viviam bem. Ainda me lembro da alegria dos mais jovens correndo e me enchendo de perguntas sobre os lugares que passei e pedindo para que eu contasse uma história atrás da outra. Depois do acordo de paz, o rei envia sempre ofertas para o reino vizinho que agora é seu aliado. Se antes 10 homens eram mortos ou feitos prisioneiros agora são 50 homens que são enviados como servos em forma de agrado. Além disso, me disseram que uma vez por ano o rei faz uma celebração em nome da paz onde chama o reino vizinho.
- Bom, pelo menos uma vez por ano, então deve ser bom.
- Que nada! A celebração é PARA o reino vizinho e não COM o reino vizinho. Então é a época do ano em que todas as riquezas do reino são dadas e consumidas em poucos dias de festa.
- Mas como ele pode fazer isso?
- O rei fala que eles não podem demonstrar fraqueza e precisam mostrar serem um reino próspero e rico, só assim o acordo de paz pode continuar.
- Eu preferiria viver em guerra do que viver assim.
- Foi o que eu falei, mas me chamaram de louco por desejar guerra para o reino deles. Bem, agora tenho que continuar minhas andanças. Obrigado pela refeição e pela compra.
- Eu tinha razão, na verdade você não vende essas coisas que carrega. Eu falei que era impossível vender. Você vende outra coisa.
- O que?
- Histórias.
