Responsabilidades

Barbara Lewis
5 min readOct 14, 2019

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Viver em uma situação de diáspora nos desconectou de muitas histórias essenciais para nos construirmos como indivíduos pretos, e isto é refletido diretamente em nossas vidas, influencia nossa estima, nossas relações interpessoais e com a natureza, assim como a maneira com que nos alimentamos e praticamente tudo que fazemos.

Kilûmbu Òkòtó / Rafaela Nascimento

Das relações emocionais

Outro dia eu estava conversando com amigos sobre nossa imagem, em como somos doutrinados a nos acharmos feios por um longo período das nossas vidas e quando percebemos o quanto somos belos nos comportamos de maneira completamente diferente. Alguém falava de uma pessoa que agora que se via bonita, aproveitava para ficar/enamorar com diferentes pessoas que antes ela achava que não era possível. O centro do assunto era tipo aquele ditado “Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza”. Uma pessoa “pegando geral” porque quer se afirmar.

Eu sempre vi isso como uma situação complicada, mas que acontece o tempo todo, pois se descobrir como alguém desejável após anos de se sentir invisível parece ser libertador. O fato é que, tudo chega a certo ponto limite, que nesse caso parece ser o encontro da liberdade com a responsabilidade emocional. Bom… Quando falo em responsabilidade emocional, eu nem estou me referindo a se responsabilizar pelo sentimento dos outros em relação a você, mas do principal, de você se responsabilizar por si mesmo. Nós somos energia e estamos em uma constante troca com outras pessoas, e se você começa a trocar sua energia com qualquer pessoa, suas boas energias podem se perder e outras mais desequilibradas podem chegar.

“Ahhhh… Mas eu só estou me relacionado com pretos e pretas” Como eu disse acima, estamos atravessados pela diáspora e estas pessoas estão passando por diferentes estágios sentimentais assim como você. Infelizmente você ainda vai esbarrar em pretos e pretas que estão completamente envolvidos com branckos, praticando todo tipo de palmitagem (intelectual, amorosa e financeira). Entre esses pretos, pode ter os que não têm conhecimento da problemática do nosso povo e têm aqueles que sabem, mas preferem agir contra os nossos em prol de ganhos individuais, e estes “pretos” podem ser tão nocivos quanto os branckos. Por isso, ter cuidado e se responsabilizar por si mesmo e seus sentimentos é fundamental para manter seu equilíbrio interno. Não adianta esperar que os outros façam isso por você. Be careful and be safe!

Das relações com o ambiente

Apenas observando a forma de vida dos branckos ao longo da história fica evidente que eles não pretendem ter qualquer tipo de equilíbrio com o ambiente. Basicamente, eles estão preocupados em extrair, não de equilibrar. Isto parece ser algo intrínseco ao modo de vida deles, ou seja, retirar todos os recursos de um local, e quando o lugar estiver completamente devastado, eles partem para outro. Para os branckos, tudo se justifica para obter o ganho, o lucro, inclusive o extermínio de povos, a extinção de animais e inutilização de terras ou corpos d’água, dentre tantas outras atrocidades associadas ao modus operandis deles.

Como pessoas pretas em diáspora, somos inseridos nesse modelo desregulado, que não têm regras definidas quando se trata de dinheiro/capital.

Sim… Sabemos que isso é uma merda, mas não é porque estamos inseridos nesse modelo, que precisamos fechar os olhos e agir de maneira conivente com ele. O retorno pode ser lento, mas ficar parado é não procurar retorno algum. Então, para aqueles que já possuem algum tipo de acesso à informação, comece a tomar para si práticas simples e que podem contribuir positivamente. Como exemplo:

Descarte de lixo: Procure saber os locais que disponibilizam serviços básicos de reciclagem. Materiais que possuem metais pesados são extremamente tóxicos e difíceis de serem eliminados pela natureza, então, descarte baterias, pilhas e aparelhos eletrônicos/eletros em locais adequados.

Consumo: Procure por produtos mais naturais, utilize embalagens que podem ser recicladas ou reutilizadas, não compre o que não precisa (assim vc também evita dar seu dinheiro para empresas branckas).

Ps: Como o consumo é algo inevitável, pelo menos procure comprar de pessoas pretas, faça nosso dinheiro circular entre nós.

Das relações com alimentação

Existem diversas formas que este estado brancko encontrou de matar corpos negros, mas uma das mais invisíveis é pela alimentação. Ao adquirirmos mantimentos contaminados perdemos mais tempo de vida, sem contar que ao ingerirmos alimentos desnecessários aos nossos organismos, nós desenvolvermos doenças graves como diabetes e hipertensão.

Nos dias de hoje, conhecer sobre como se alimentar de forma mais saudável é essencial para o nosso povo. Como foi dito no item anterior, quem tem acesso à informação deve procurar conhecer sobre isso o mais rápido possível. E quando eu digo procurar informação não é um conhecimento brancko ou embranquecido como “alimentações veganas/vegetarianas” (brancko gosta de um rótulo) que nada mais são que modelos distorcidos de práticas milenares africanas. O que eu digo é que busquem conhecer os alimentos, quais são necessários e bons para nossos corpos. Conheça melhor as hortaliças, legumes, ervas e quais são seus benefícios. Se precisar de modelos alimentícios para se basear, procure por exemplos de práticas alimentares que se baseiam na ancestralidade africana, como por exemplo, a Ital.

Já conhecemos o Erro

O primeiro ponto em que erramos é que buscamos nos conhecer a partir de pensamentos brankos e de lógicas embranquecidas. No caso de relacionamentos, colocamos metas a partir de planos fictícios de relações e ideias criadas por branckos e para branckos. São arquétipos de filmes de comédia romântica ou novelas que estão sempre idealizando o amor de diferentes formas, mas todas superficiais e que em nada nos servem na prática. De que nos serve encontrar um brancko salvador que apenas servirá para mostrar uma realidade completamente desconectada de nós mesmos? Como poderia ser útil combater o racismo dos branckos e ao mesmo tempo estarmos ao lado deles? (seja no amor, na amizade, nas relações financeiras…) Isso é de uma incoerência muito grande e de uma irresponsabilidade enorme para aquilo que nos propusermos a combater. Como seria útil para nós prejudicar nosso próprio corpo através de uma alimentação desregulada? Nosso corpo é sublime, temos que respeitá-lo. Se parte da nossa comunidade já tem acesso ao dano que alimentação imposta pelos branckos faz em nossos corpos, é de nossa obrigação nos corrigirmos e ajudar outros de nós a ter conhecimento sobre isso.

Sabemos que nosso sagrado é a natureza, nossos orixás são elementos da natureza, então como podemos desrespeitar o que é parte de nós e ir contra a nossa natureza que é nossa fonte vital de energia?

O fato é, para voltarmos a algum tipo de equilíbrio interno e externo, nós temos que nos posicionarmos em relação as nossas próprias responsabilidades. Uma responsabilidade que é para com nós mesmos e principalmente para com nossa comunidade.

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