Seja como um pássaro. Não como um avião

Grazi Lima
revistaokoto
Published in
4 min readFeb 15, 2021

Uma das coisas que eu mais gostava de fazer quando criança era olhar o céu e observar os pássaros voando. Passava horas imaginando como deveria ser a sensação de poder voar.

Além dos pássaros, meus olhos miravam os aviões. Os aviões me chamavam atenção não só pelo tamanho e barulho, mas pela capacidade que eles tinham de poder voar e, por essa razão, passei a desejar pilotar avião. Achava que ao pilotar um avião eu conseguiria sentir o que um pássaro sente e poderia ir para onde eu quisesse. Mas como diria o Min. Farrakhan: “Ohhhhh, No, Mr. Wallace”.

Quem disse que pilotando um avião você vai sentir o que um pássaro sente? E quem disse que você poderá ir para onde quiser? Mesmo sendo o piloto, você não poderá ir para onde quiser, porque o avião segue uma rota. E essa rota já é pré-estabelecida. Não é você que designa o caminho. Você tem que seguir um caminho designado e não o que você quer. E por mais que você venha a ocupar a cadeira mais importante neste avião, por mais que você domine todos os equipamentos, saiba decolar, pousar, você sempre terá que manter o avião na rota definida e nunca poderá seguir um caminho diferente dos já determinados. E se você resolver mudar o caminho, por 1mm que seja, você será jogado para fora desse avião e sem direito a paraquedas, porque eles não ligam para você. Você só serve enquanto servir a eles. Você pode estar no avião mais moderno, tecnológico e com toda a comodidade do mundo e ter a ilusão de estar voando, mas nada disso te pertence e a qualquer momento pode ser tirado de você.

Tá ligado naquela parte do Kiriku quando ele pega elementos da mata e se fantasia de pássaro para não ser reconhecido e capturado por Karabá a Feiticeira? Então, tá cheio de gente por aí, K'TIUcias e DJs Ribeiros e companhia cobrindo e fantasiando a academia, o feminismo negro, o movimento blackmoney como pássaro, como meios de autonomia e libertação para o povo preto. Corre que é cilada, Bino. É lobo em pele de cordeiro. É integração fantasiada de pássaro pra te vender libertação. É a tal da conquista individual vendida como vitória coletiva. Vitória coletiva de um só enchendo o bolso e mandando beijos de Paris.

Essas pessoas vendem a própria dignidade para benefício pessoal. E não são pessoas bobas, pelo contrário, são espertas, bobo é quem está caindo no papo delas e comprando essas ideia, crente que tá voando, mas tá caindo igual o buzz lightyear.

O dia que você pilotar um avião em que ele for seu, a companhia aérea for sua e do seu povo, os passageiros e as rotas forem escolhidos por você, aí sim a gente pode começar a conversar. “Ohhhhh, no, Grazi, mas você tá viajando, tá sonhando muito alto. Não tem como nosso povo ser dono de um avião ou ter uma companhia aérea”. Amadoh???? Se você acha isso, tá usando o filtro de Garvey na foto de perfil por quê? Melhor tirar, porque tá ficando feio pra você… Para quem tem Garvey como referência, Panafricanismo como direção, Revolução do Haiti como parâmetro, Quilombo como meta e Exu como princípio, sabe que nada é impossível.

Assim como o corrido dá o papo pra nós que “calça de homem não cabe em menino”, irmão, não confunda asa de passarinho com de avião.

E se alguém aqui vier com papo de “ah Grazi, mas agora nós temos uma Vice-Presidente Neigra nos EUA”, vai levar dois tapão na cara e de quebra ainda vai ouvir de novo: “Ohhhhh, No, Mr. Wallace”.

Se liga, vou repetir a visão. Não adianta ocupar a cadeira de piloto ou de co-piloto que seja, pois você terá que seguir uma rota já estabelecida. E os brancos escolhem com exatidão quem vai ocupar a cabine do avião. Os escolhidos são os que não vão mudar a rota. Que vão mantê-la exatamente do jeitinho que está. Até porque se eles soubessem que haveria 0,001% de chance de você mudar a rota eles nem te colocariam lá.

Ocupar o avião é sobre integração. Alçar o próprio voo como um passarinho é sobre libertação. É sobre autonomia. É sobre poder ir para onde quiser. Seja como um pássaro. Não como um avião.

Imagem extraída da internet.

--

--