Serenidade, constância e força

Niágara
revistaokoto
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3 min readNov 2, 2022

Se a gente controlasse o fogo não haveria incêndios.

Yurugu adora marcar um período histórico de quando “o homem passou a dominar o fogo”. Dominou mesmo? Kkkk

Isso pra mim soa como soberba e ingenuidade. É aquela parada de só ver as coisas superficialmente.

As forças ou elementos da natureza, como costumam chamar, controlam os ciclos de vida na Terra muito antes do homem sonhar em existir.

É questão de respeitar quem veio antes, nossa ancestralidade. A unidade espiritual africana é baseada no culto ancestral, e isso inclui sim cultuar e honrar a memória dos nossos avós, tataravós e irmãos que já fizeram a passagem, inclusive muitos espíritos estão dispostos a ajudar com o que a gente só não é capaz de resolver. Mas a gente sabe que o rio, a terra, o mar, o sol, o vento são também ancestrais e são os primeiros que devem ser cultuados, respeitados e divinizados.

Nossa cultura prioriza os mais velhos. Inclusive pra muitos povos do continente é a idade que define sua função, importância e relevância pra comunidade, mais do que gênero ou qualquer outra coisa. Pra gente é importante respeitar o que a pessoa já viveu e o que ela tem por viver. Os mais velhos preservam e carregam a tradição, os mais novos dão continuidade.

Por Diego Nunes

Hoje a gente fez nosso treino de capoeira no parque e a galera que dá treino sempre fala pra gente fixar num ponto pra se acostumar a manter contato visual com o oponente, e daí eu fixei numa árvore e comecei a viajar que tava jogando capoeira com ela hehe

E daí pra essas pessoas que acham que dominam o fogo provavelmente essa árvore é só uma coisa separada de si. Mas esse tempo cuidando da minha espiritualidade pela capoeira e no terreiro já me faz ver as coisas com mais profundidade.

Eu só conseguia pensar na serenidade, constância e força que a árvore precisa pra ficar tantos anos firme no mesmo lugar. É algo a se respeitar e reverenciar. E também pensava no tanto de movimento que acontece pra ela parecer estática, a seiva subindo e descendo, a troca de ar, a produção de energia.

Tudo muito parecido com o que acontece em mim pra eu poder ficar de pé. E não é atoa que a gente chama a parada de mão de bananeira.

E isso também me faz pensar que nos nossos cultos as divindades não são distantes e intocáveis, são tão próximas a ponto de ser quem a gente é.

Nosso corpo é feito de terra pelo que a gente come, vento pelo que a gente respira, fogo pelos nosso movimentos e quase tudo na gente é água.

Então aquela serenidade, constância e força tão também em mim, eu só estava me reconhecendo. Por mais difícil que seja encontrar, tá aqui, e sei que é o que mais preciso pra melhorar meu jogo agora.

Daí respeitar o tamanho, a grandeza, o tempo, e o caminho de cada ser, é algo que permite a gente se conhecer e viver em harmonia com o mundo físico e espiritual.

Enquanto outros se preocupam em dominar o fogo, pra mim a gente deve de preocupar com aprender a ser e controlar o fogo próprio.

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