Sobre como construir uma nação

Àbáyọ̀mí Rametj
revistaokoto
Published in
3 min readJun 7, 2022

Chega a ser engraçado ouvir que construir uma nação preta é utopia, de quem acha que vai conseguir convencer o branco a abrir mão de tudo que possui e aceitar o preto como um igual, que vão deixar de nos matar, que vão pagar a tal dívida histórica.

Essa ideia já nasce errada, preto que conhece sua história, que sabe quem é, não quer igualdade com branco, com Yurugu. O ser que sabe sua grandeza, não vai se diminuir para caber na limitação de outro ser. Partindo então da ideia de criar uma nação, do que aprendemos com Garvey e a UNIA, do que aprendemos com nossos ancestrais de quilombos e do que praticamos no Òkòtó, vamos passar a visão aqui de como um povo constrói sua própria nação, de como se liberta do domínio de seu opressor.

Antes de tudo, o mais importante é nossa ancestralidade, nossa espiritualidade. É a partir dela que podemos nos reencontrar com a nossa verdadeira forma de entender o mundo, a percepção de mundo africana.

Nossa espiritualidade nos ajuda a entender que quem te alimenta te controla. Aquele que possui os recursos te mantém sob controle. É importante que possamos manter nosso dinheiro entre nós mesmos, em comunidade. Então consumir de outros pretos e produzir seus próprios produtos é uma forma de retirar do branco esse domínio sobre a gente e dar se poder a nós mesmos. É pensando nisso que uma vez que isso seja construído, é importante que os membros da comunidade consigam defender o que construíram. Devemos nos preparar para construirmos um exército, para defender o que é nosso. Embora nossas condições atuais impeçam a organização de uma força armada, é preciso ter isso em mente. Com a capoeira, que é base de Òkòtó, nos preparamos para poder nos defender. Aqui, em caso de agressão por um racista, não é o neguin que vai sair chorando.

Uma outra coisa importante é olhar para os hábitos alimentares de nossos ancestrais e suas formas de medicina e cura baseada em ervas e em hábitos saudáveis. A indústria farmacêutica lucra muito com a saúde precária da população preta. Nossos ancestrais sempre souberam a importância de cuidar do templo do espírito.

Nossa espiritualidade também nos dá formas de compreender e descobrir sobre nós mesmos e o mundo. Daí que vem a famosa frase “conheça a si mesmo”. Se você é parte do universo, quanto mais compreende a si, mais também entenderá o universo e vice-versa. É de extrema importância que tenhamos escolas para que nossas crianças não aprendam a forma do colonizador de ver o mundo, nem que sejam doutrinadas por esse sistema. No Òkòtó, o ilê-ifé se concentra nos cuidados e na educação das nossas crianças.

Por fim, é necessário que um povo tenha uma boa imagem de si mesmo, que se veja como um povo forte e poderoso. Veja os exemplos de nações como os EUA, a China, como investem em propaganda e na própria imagem, para se valorizarem e dar poder a si mesmos e passar a imagem de uma nação forte aos outros povos. No Òkòtó, o Famaad se preocupa em criar essas imagens a partir do audiovisual, para que possamos ver cada vez mais como somos belos e poderosos.

“Um Deus, um objetivo, uma nação!”

--

--

Àbáyọ̀mí Rametj
revistaokoto

Um ser em desenvolvimento, trilhando caminhos através da espiritualidade, da capoeira e dos algoritmos. O àṣẹ de Ògún guia a criação de tecnologias