“Som de preto”
“Da música
Que bom termos nos encontrado
A vida não podia por muito mais tempo nos ter separado…”
A academia nos distancia também da cultura negra, é comum a gente ver as pessoas acadêmicas se orgulharem de não saber fazer algo que é de negro, por exemplo, sambar. E esse orgulho não existe somente quando uma pessoa branca precisa ser repudiada: quando um branco vem pedir para uma mulher negra sambar pra ele, nós sabemos bem como essa imagem da mulata foi construída. E nesse caso além de dizer que não se sabe sambar, ele deveria receber uma sova.
Mas, as pessoas negras que estão comumentemente inseridas nos espaços brancos precisam tantas vezes negar essa cultura que acabam por se afastar dela.
Ao mesmo tempo as pessoas negras estão se afastando da sua cultura para ficar cada vez mais parecido com o branco. Os brancos estão se apropriando da cultura negra para ficarem cada vez mais vistos como antiracista. Como se houvesse antiracismo na apropriação de uma cultura.
E não estou aqui dizendo que todo negro tem que gostar de samba, mas não gostar de nada que é visto na sociedade como de negro, só mostra o quanto a academia é uma das bases para tornar os negros transvestidos de máscaras brancas.
Como estou dando o exemplo de música, a música é preta, nós sabemos que Chuck Berry já cantava rock and roll bem antes de Elvis Presley, nós sabemos a origem da música, mas sabemos também o quanto o rock foi embranquecido, o quanto cada vez mais pessoas brancas foram tomando esse lugar e afastando os negros. Não é por um acaso que esse estilo tem como rei, uma pessoa branca. O rock é visto na nossa sociedade como algo de branco. E isso não quer dizer de forma alguma que pessoas negras não pode gostar de rock, mas algumas pessoas negras curtem rock somente pelo fato de isso torná-la uma pessoa um pouco mais “civilizada, diga-se, branca.
E enquanto as pessoas negras academizadas se afastam da cultura negra, ela é cada vez mais criminalizada.Porque funk, por exemplo, não é música para uma pessoa que vai a academia ouvir. Essas pessoas treinam seus ouvidos para ouvir música clássica, e acham que após isso, ouvir funk é sangrar os ouvidos. Como se não fosse possível ouvir de tudo. Nessa sociedade cristianizada ser eclético é até pecado.
E novamente, enquanto o funk é feio nas quebradas, enquanto as pessoas negras não podem ouvi-lo, não podem fazer seu baile funk, as pessoas brancas vão se apropriando e criando os bailes funks brancos, que podem acontecer em qualquer lugar, no meio da rua, em um salão fechado, se a maioria do público for branco, não tem problema a música ser de preto. Até porque se tivesse problema, as festas brancas seriam sem som.
E a música preta, desculpa o pleonasmo, mexe com a espiritualidade das pessoas. As mães e os pais cantam para seus filhos quando eles estão tristes. É cantando que você coloca uma criança para dormi. É cantando que se comemora as vitórias. Quando você ouve música, você ri, ou chora, lembra de algo, dança…
A música cura, inclusive é assim que alguns povos curam depressão, com musicalidade, com coletividade, bater tambor, tirar som de uma cabaça, construir instrumentos, tudo que gira em torno de música, tudo que é necessário para fazer música, aprender a ouvir o som da natureza, e imitar esses sons, seja assobiando, seja com uma pedra, seja com um instrumento rústico ou com um instrumento mais elaborado. Tudo que faz seu corpo sair do estado que estava e entrar em outro, foi criado por gente preta. Negar a música, é negar a si próprio e a sua origem.