Tem que fazer por merecer

Nkosi ya Nzambi
revistaokoto
Published in
2 min readApr 4, 2023

A nossa espiritualidade é manifestada em tudo na nossa vida. Engana-se quem acha que apenas em terreiro ou com rituais e momentos específicos ela se mostra. Nas pequenas ações e atitudes é possível ver a essência e grandiosidade do que somos.

Por Misha Òkòtó

Quando era mais novo a minha bisavó sempre tinha em seu quarto um saco de balas e bombons. Todos sabíamos onde ficava. As crianças ficavam doidas com a possibilidade de uma bala e um chocolate ali, fácil, acessível. Mas aí que começa a mironga.

Ganhar a bala era uma saga! Vc só ganhava se fizesse por merecer, e não tinha uma cartilha do que fazer pra ganhar. Às vezes era só ir lá que ela já dava, outras vezes tinha que ir na venda comprar alguma coisa, um fumo, um pão. O chocolate então, quando ganhava era motivo de ostentação no terreiro! E o interessante era que se vc pedisse a bala ela te daria, mas contrariada e ficava aquela sensação de forçar a barra. Aí era encruzilhada, ganhar a bala e o olhar de decepção da bisa, ou esperar o momento que ela achava que era o certo pra te dar o doce?

Não sei o que ela pretendia com isso. Mas é fato que todo mundo tem essa lembrança e pra cada um o aprendizado foi diferente. Às vezes é preciso esperar o momento certo pra receber a graça, mas ficar parado não é opção, tem que fazer alguma coisa. Em outros momentos sua fome de doce pode ser tão grande que vc quer pedir a bala, mas tem que aguentar o olhar de reprovação da mais velha, assumir as consequências. Quanto mais o tempo passa mais aprendo com esse itan da minha família, tiro novas conclusões e ela continua me ensinando, mesmo depois de ter cruzado a Kalunga.

Mãezona, como era conhecida, nos ensinou com a bala e o chocolate sem nunca ter falado sobre a bala e o chocolate. Era muito mais que isso.

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