Todos nascemos com um propósito

Akinwunmi Bandele
revistaokoto
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3 min readJul 26, 2022

Sempre penso que todos nós afrikanos somos jogadores caros, todos nós temos habilidades e nascemos com um objetivo no que chamamos de aiyê. Um bom exemplo disso é a trajetória do Babalorixá Euclides Menezes Talabyan, um dos grandes líderes espirituais do Candomblé da nossa diáspora, mais especificamente do Tambor de Mina do Maranhão, culto que se origina dos descendentes do povo ewe/fon do Daomé. Na sua infância já dava pra notar uma certa predestinação, aos 6 anos de idade entrou em transe pela primeira vez. Isso passou a acontecer diversas vezes e em qualquer lugar, sua mãe chegou a procurar um médico para saber o que estava acontecendo. Sua tia Isaura era do tambor de mina e já sabia o que Euclides havia sido escolhido para um propósito espiritual. Sua tia levou o menino pro terreiro onde dançou em transe do seu Vodun confirmando o que já suspeitavam. Euclides incorporava entidades, a mais famosa era a de Adamor Serra de Andrade, que curava, benzia, fazia remédios e dava conselhos para o povo ao redor.

Nesse momento, Euclides ainda não havia sido iniciado apesar de já estar intimamente ligado à espiritualidade. Suas entidades avisavam que quem o iniciasse morreria, pois já havia nascido com o dom, era só fazer os rituais por conta própria.

Sabendo disso, entrou mata adentro, cruzou rios com vários animais ao redor e lá suas entidades incorporaram e cada uma entoava um canto. No dia seguinte, Euclides acordou após horas em transe, e enfim estava completa a sua iniciaçào.

Euclides também era conhecido por ser grande ritmista, era afinado no canto e nos instrumentos. Sabia tocar pandeiro, tambor, caixa, tambor de mina, tambor de crioula, tambor de taboca. Dava aulas a seus discípulos e cumpridor de horários, nas aulas de percussão que passava, se ninguém havia chegado, começava por conta própria. Não tinha pressa, fazia tudo no seu tempo e do seu jeito, isso valia também pros rituais da Casa Fanti-Ashanti da qual foi fundador.

O momento em que antecede o seu falecimento, já havia avisado ao seu sobrinho que continuassem os rituais e cuidassem da casa.

“Essa casa não pode parar, viu? Tem que continuar. Você está longe, mas nunca deixe de estar perto, porque você foi o primeiro que aprendeu o toque do tambor para ensinar aos outros”

“Isso aqui não pode parar, tem muito tempo de história e vocês não vão deixar essa casa se acabar. Se fizerem isso, vou perseguir vocês nos seus sonhos. Procurem dar continuidade nas coisas, não pensem que eu vou deixar as coisas se acabarem”.

Antes de partir deixou seu salão arrumadinho, para que após seu falecimento dessem continuidade da forma que lhes foi ensinado. Não queria dar trabalho a ninguém, tratou até de ir a funerária escolher o prório caixão (risos). Já satisfeito com a vida que levara, já não havia mais o que ser feito, suas últimas palavras foram de missão cumprida no aiyê. O Babalorixá Euclides Menezes Talabyan fez sua passagem para o Orun no dia 17 de agosto de 2015, se tornando para sempre um ancestral.

Arte: Diego Alberto

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Akinwunmi Bandele
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Estudo e leciono História no nosso Instituto de História da Áfrika e sua diáspora do Kilûmbu Òkòtó.