UJAMAA: o princípio do Kwanzaa sobre economia

Precisamos de uma economia preta e o princípio a orientar essa construção é o Ujamaa

Táíwò Òkòtó
revistaokoto
9 min readDec 28, 2020

--

O Kwanzaa se fundamenta em sete princípios — os nguzo saba. Todos eles se complementam e no Òkótó, como em toda organização que se preze, que busque autonomia, é visível, é palpável o zelo por tais princípios. Umoja (união/unidade), Kujichagulia (autodeterminação), Ujima (trabalho coletivo e responsabilidade), Ujamaa (economia cooperativa), Nia (propósito), Kuumba (criatividade) e Imani (fé) aqui em nossa organização são exercícios para o ano inteiro, para todo o dia. Nossa organização cresce e se solidifica na observância desses princípios.

Em breve, vou fazer uns textos falando do Òkótó e sua relação com cada um dos princípios. Lançar uma série. Aqui, falarei apenas do Òkòtó e sua relação com o Ujamaa, o princípio da economia cooperativa. Princípio o qual sempre estimulamos e que terá atenção mais que especial da casa ao longo desse próximo ano, pois uma atividade econômica autôtonoma e consistente é indispensável para a sustentação da autonomia, da autodeterminação, no longo prazo.

“Aquele que te alimenta, te controla”

~Thomas Sankara

“Uma raça que seja meramente dependente de outra raça para sua existência econômica, cedo ou tarde morrerá”

~Honorável Marcus Garvey

UJamaa x Farsa do BlackMoney

Ujamaa é o princípio da economia cooperativa, que significa que deve haver uma divisão do trabalho e também dos seus frutos com a comunidade, com os nossos. É o nós por nós em seu viés econômico. Devemos nos unir e trabalhar em conjunto para darmos conta das necessidades da nossa comunidade, e dividirmos os frutos desse trabalho conjunto com ela.

Hoje, fala-se muito de blackmoney, vendido como estratégia de manter o dinheiro de preto dentro da nossa comunidade, mas, salvo um caso ou outro, o tal do blackmoney é uma grande fraude. E, pra ser bem sincero, nem é difícil explicar ou perceber isso. Como você prega uma filosofia econômica de que dinheiro de gente preta deve se limitar a circular entre gente preta se a sua filosofia política não demanda o mesmo do movimento de gente preta, de que gente preta tem que estar e buscar construir exclusivamente, ou preferencialmente, com gente preta? Está aí uma conta que não fecha. Se você não está buscando se cercar de gente preta, é óbvio que não vai gastar com gente preta. É óbvio que o dinheiro que você recebe não vai para as mãos de gente preta.

A grande maioria por aí falando de blackmoney tem suas vidas e negócios totalmente rodeados de gente branc’a. É uma galera que é preto para receber dinheiro, mas que para gastar, gasta com branc’os, e gasta como branc’o. Blackmoney só para o dinheiro chegar até ela, depois que chegou, “meu dinheiro, minhas regras”. Vão atrás de seus sonhos, de conquistar um lugar, #ocupar um espaço no mundo branc’o, entre branc’os. Matriculam os filhos nos melhores colégios, os mais caros, os mais branc’os; moram em bairros branc’os; e pense, para onde é a viagem dos sonhos? Paris! Europa! E os restaurantes e lugares que frequentam? Diversão? É um eterno correr atrás de branc’o.

Logo, o dinheiro preto que lhe chega como blackmoney não serve para nada mais nada menos que alimentar seu sonho de ser alguém entre branc’os. E de quem, portanto, ela compra esse sonho? A quem paga por esse sonho? Quem fica com seu “blackmoney” enfim? O branc’o.

Ademais, palmitagem é um resultado muito natural para negrescos. Afinal, a gente se liga por fora a partir do que carregamos dentro. É questão de conexão. Se conecta pelo recheio. E lá vai blackmoney gasto com cônjuge branc’o e eventualmente filhos branc’os também que possam advir dessa relação. Isso para não falar da questão de herança, e também do fato de que é bem comum que a parte preta das relações palmiteiras tenha melhor condição financeira, que é uma parada encarada pelos estudiosos das relações raciais como uma espécie de “compensação” por ser uma pessoa preta, ter uma melhor condição financeira, ou fama. Tem que ter um algo a mais.

Aqui, cabe uma nota interessante sobre as palmiteiras: o que tem de mina preta com uma condição maneira que fala que não tem que ficar carregando homem preto nas costas mas vive sustentando homem branc’o, barbado que sempre viveu de mesada, de dinheiro da família atrás de seu sonho… uns caras que nunca trabalharam. Enfim…

Pois bem, entenderam que a estratégia de blackmoney para manter a circulação de dinheiro dentro da comunidade é a mesma coisa que querer acumular água na peneira? Quando se é negresco, quando a pessoa não se insere dentro de uma visão de autonomia e nacionalismo preto, de onde ela pega o dinheiro não é onde ela gasta o dinheiro, não é onde ela pretende gastar o dinheiro. Porque ela é integracionista. Ela quer se integrar ao mundo branc’o, viver esses espaços. O que ela pega da comunidade serve para ela realizar o seu sonho de se inserir na sociedade (branc’a).

“O homem que está controlando as lojas na nossa comunidade é um homem que não se parece conosco. Ele é um homem que nem mesmo vive na comunidade. Então eu e você, mesmo quando tentamos e gastamos nosso dinheiro no bloco onde vivemos ou na área onde vivemos, nós o estamos gastando com um homem que, quando o sol se põe, leva aquela cesta cheia de dinheiro para outra parte da cidade”

~Malcolm X, trecho do discurso “o voto ou a bala”

O que Malcolm fala acima sobre outros controlando negócios em nossa comunidade é plenamente aplicável para o blackmoney e os negrescos, para os pretos que não se orientam pelas ideias de pan-africanismo, garveísmo, nacionalismo preto. Nessa ocasião, um negresco é como se fosse “um homem que não se parece com conosco” usando uma máscara para parecer e levar nosso dinheiro. “Ele é (também) um homem que nem vive na comunidade (…) que, quando o sol se põe, leva aquela cesta de dinheiro para outra parte da cidade”.

A fala do brabo Malcolm X resume a problemática do blackmoney como estratégia de manter dinheiro na comunidade preta, dinheiro circulando entre pretos. Não vai funcionar. Não vai funcionar por meio do integracionismo. Não vai funcionar se antes as pessoas não forem familiarizadas e defenderem o que preconiza o nacionalismo preto, o panafricanismo. Porque se a prioridade e todos os esforços não for sobre ficarmos entre nós, não será entre nós que circulará nosso dinheiro. Simples.

Por isso, o Ujamaa como orientação econômica para o povo preto é muito superior ao que entendemos como blackmoney, porque vemos que a orientação econômica e a sócio-política se complementam. Porque o Ujamaa se insere totalmente dentro da orientação sócio-política da autonomia, da autodeterminação, do nacionalismo negro, do pan-africanismo. Porque é um dos sete princípios do Kwanzaa, cujas velas que os representam levam as cores vermelha, preta e verde da bandeira de Garvey, sendo a própria bandeira um dos símbolos do Kwanzaa. Portanto, é inequívoco o fato de que o fundamento econômico é coerente com o fundamento sócio-político. Mais que isso, o fundamento econômico é decorrência do fundamento político. É papo de nacionalismo preto para as pessoas como para o dinheiro dessas mesmas pessoas. E pronto! Porque seu plano político precisa ter seu correspondente econômico. E o próprio Kwanzaa é também nacionalismo preto operando em seu plano cultural. É tudo amarradinho. Tudo batendo cabeça para uma mesma orientação sócio-política, que versa sobre nós por nós, autonomia.

O nós por nós econômico não vinga se ele não for verdade também como determinação sócio-política, e cultural.

Ujamaa e Filosofia Econômica do Nacionalismo Negro (FENP)

Agora, vamos falar do princípio do Ujamaa e sua relação com a Filosofia Econômica do Nacionalismo Preto, conforme definido por Malcolm X. Porém, antes de mais nada, vamos às definições, tiradas do famoso discurso “o voto ou a bala”:

“Minha filosofia econômica pessoal também é o Nacionalismo Preto, que significa que o homem preto deve ter parte no controle da economia da chamada comunidade Negra. Ele deve desenvolver o tipo de conhecimento que o habilitará a possuir e operar as atividades comerciais e, assim, ser capaz de criar emprego para seu próprio povo, para sua própria raça”

“A filosofia econômica do nacionalismo negro significa apenas que precisamos nos envolver em um programa de reeducação. Educar nosso pessoal para a importância de saber que, quando você gasta seu dinheiro com a comunidade em que vive, a comunidade em que gasta seu dinheiro se torna cada vez mais rica; a comunidade da qual você tira seu dinheiro se torna cada vez mais pobre”

~Malcolm X

Se liga, não lembra muito o papo do blackmoney? Qual diferença? Só para ver mesmo se você está ligado, qual a diferença?

Então, a diferença é a base política, a organização sócio-política que se busca. Como posto mais acima, com outro texto do mesmo discurso, um branc’o ou um preto integracionista, vai pegar o cesto de dinheiro e vai se mandar pra outros cantos no fim do dia, nem sequer é parte daquela comunidade. Vai fechar a loginha e vai usufruir de seus ganhos com outros, em outro canto.

Agora, outra coisa: e se o cara se mantém na comunidade, é da comunidade mas… enfim, e se o cara for capitalista? Aí pega também! Aí a gente precisa se ligar que não basta ser preto, não basta viver na comunidade… são condições necessárias, mas ainda assim não suficientes. Tem que ser preto, tem que fechar na comunidade. Mas isso não é garantia. É aí que entra a questão do Ujamaa e do Kwanzaa como o nós por nós no plano cultural, como complemento dos planos sócio-político e econômico. Porque se queremos uma organização econômica e política preta, precisamos que sejam também pretos os valores que orientam essa construção. Tem que vir tudo amarradinho.

É no plano cultural que nos imbuímos de valores. E nossos valores não têm nada a ver com a exploração do capitalismo. Aí entra como fundamental o princípio do Ujamaa, que institui a cooperação econômica, dividir o trabalho para produzir bem como dividir os frutos desse trabalho. O valor é cooperação, longe da concorrência, da competição predatória capitalista.

E que ninguém venha fazer “sincretismo” e dizer que isso então seria socialismo, pois estamos falando de valores que precedem em muito tanto o que os branc’os criaram como capitalismo quanto o que fantasiaram ainda depois sob o nome de comunismo. Lembra do princípio “Kujichagulia”? Pois é, autodeterminação, dentre outras coisas, não deixar outros nos nomearem, não se nomear consoante os outros. Para nossos movimentos, nossa organização, nossa nomeação. Nós por nós em tudo!

O Òkòtó, o Ujamaa e a Filosofia Econômica do Nacionalismo Preto

Para finalizar, repare que Malcolm fala da necessidade de reeducar nosso pessoal para executarmos o plano de controlarmos os negócios econômicos que garantam a vida do povo preto, que garantam os recursos necessários à sobrevivência do nosso povo. Relembre o que foi pontuado sobre como os planos por mais bem intencionados que sejam tendem a desandar se a gente não cuidar para que os integrantes dessa rede não sejam negrescos.

Portanto, antes de mais nada, essa reeducação proposta por Malcolm precisa oferecer a essa comunidade pessoas pretas com valores pretos. Pessoas pretas que valorizem o Nacionalismo Preto, o Pan-Africanismo, a Filosofia Econômica do Nacionalismo Preto e os sete princípios do Kwanzaa. Pessoas pretas que valorizem Garvey e seus feitos, que se orientem à partir de Garvey e de seus feitos. Esse é o melhor coquetel anti-negresco. E uma vez que a educação proporcione isso, o resto pode ser feito.

O Kilûmbu Òkòtó, ao longo dos três últimos anos, vem trabalhando nessa reeducação de remoção do recheio, como uma espécie de centro de reabilitação de negrescos, “recuperando pessoas” para torná-las úteis ao processo de emancipação do povo preto. Uma vez reeducados nessa base, chegou a hora de nos desenvolvermos na Filosofia Econômica do Nacionalismo Preto, orientada pelo princípio do Ujamaa. Vamos trabalhar juntos para irmos assumindo gradativamente os negócios que atendem nossas necessidades. Pois quem não pode atender às próprias necessidades, acaba ficando nas mãos de quem as atenda.

Nesse ano de 2021, todo o Kilûmbu Òkòtó, em conjunto, cada um dos seus membros, vai estar envolvido em alguma atividade econômica autônoma, vai estar aprendendo a gerir um negócio, movimentar, cuidar de dinheiro, investir, planejar, executar. E também ensinar outras pessoas pretas a fazer o mesmo. E a meta é que dentro de 2/3 anos tenhamos condições de termos todas as pessoas que se encontram no Òkòtó hoje ganhando seu dinheiro e garantindo seu sustento sem precisar trabalhar para gente branc’a, sem precisar se sujeitar às instituições racistas. Esse é aquele grande passo na luta por autonomia. E a gente vai dar. Na base do Ujamaa. Alguém duvida?!

Então, espia só. Só espia!

--

--