Um papo sobre base

Kianga Hwanjile
revistaokoto
Published in
3 min readDec 29, 2021
Arte: Izaias Oliveira

Refletindo sobre Malcolm, Garvey, família e afins, percebi o quão valioso é ter referência familiar.

O pai de Malcolm X morreu assassinado também e pelo mesmo motivo, ser ativista e de uma organização completamente anti-americana e nacionalista preta, a UNIA de Marcus Garvey, eu não acho que seja coincidência que as histórias de Malcolm e Garvey se cruzem e acho menos ainda ser coincidência, o filho ser assassinado tal qual o pai, que também não se rendeu aos ataques e ameaças da KKK naquela época. Por isso sempre falo e reforço que os pais são espelhos, ao meu ver, o ativismo de Malcolm não começa na Nação do Islã, começa no nascimento, tendo nascido numa casa onde pai e mãe já eram organizados, estavam dentro de uma organização preta e com um propósito. Lógico que a Nação do Islã pode ter virado a chave pra relembrar o quanto era importante estar organizado. Fizeram questão de dissipar a família de Malcolm, mataram seu pai, colocaram a mãe dele num hospício como louca, quiseram cortar na raiz. É foda fazer essa relação Marcus Garvey x James Earl Little x Malcolm X. É o verdadeiro sentido da frase “educação vem de berço”. Três homens fodas, sei pouco sobre o pai de Malcolm mas só dele ser da UNIA e ter ido até a morte pelo que acreditava já vemos que o cara era brabo, assim como seu filho também foi.

Após assistir um documentário sobre Malcolm X, passei vários dias refletindo sobre isso, principalmete sobre o fato de terem cortado uma família pela base, pois veja, não bastou só matar o pai de Malcolm, teriam que dar um jeito de se livrar de sua mãe também, mandando ela para um hospital psiquiátrico como louca, acabam com a família, acabam com uma organização familiar que vivia um pensamento separatista baseado no nacionalismo negro, um belo jeito de controlar os futuros das crianças para que não seguissem os caminhos de seus pais, pois imagina só se essas 6 crianças crescem e resolvem propagar essas idéias também?! Pelo menos para Malcolm isso voltou, e voltou bem forte.

Mas o papo aqui é sobre base né, mas não é a famigerada base da pirâmide não, é a base familiar mesmo. Imagina o quão brabo é tu crescer numa família que te ensina a não depender do inimigo pra nada, base de verdade sabe? Faz a gente refletir o que a gente quer deixar pra nossas crianças? Qual a educação? Qual exemplo queremos dar pra quem vem depois? E isso vai desde ensinar a se defender até ajudar a construir um espaço seguro para elas. Malcolm com certeza foi exemplo de pai, filho e marido. Assim como o pai que morreu pelo que acreditava, o mesmo aconteceu com ele, pensar sobre isso dá um nó na cabeça. Como citei no texto, para além da Nação do Islã, Malcolm teve base, teve em quem se espelhar, mesmo que o tenha perdido muito cedo, seu exemplo seguia os passos de outro brabão, Garvey. As histórias não se cruzariam à toa.

Eu perdi meu pai quando eu tinha 7 anos, mas sempre levei ele comigo como um dos caras mais brabos que conheci. Dia desses um primo mais velho que conviveu muito com meu pai me disse que meu pai era respeitado lá na área deles e que chamavam ele de “mais velho” de tanto respeito que tinham por ele. Isso me bateu muito forte porque, sim, eu tenho uma referência foda. Meu pai unia nossa família e depois da morte dele as coisas ficaram um pouco diferentes. Mas enfim, agora imaginem Malcolm com um pai já com um propósito tão forte? O quão importante deve ter sido ter tido essa referência? Que sejamos referências para os nossos que vierem, seja ensinando a se defender, seja falando de autonomia, seja dando o papo reto para que haja continuidade no que estamos construindo.

O ESPELHO NUNCA SE QUEBRA.

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