Um pretão e a escola tradicional

Marcos Andrade
revistaokoto
Published in
5 min readNov 8, 2021

A escola não costuma trazer boas memorias ao nosso povo e isso se deve em muito a esse espaço não ser pensado para gente, mais além, essas instituições são parte de um pacto genocida cujo papel é negativar nossa experiencia enquanto africano negando nossa cultura e nossos modos de aprendizados gerando deseducação espiritual, corporal e intelectual.

Existe um termo psiquiátrico usado pra explicar uma vivência que a pessoa tem de ter seus pensamentos serem roubados e apropriados indevidamente por alguém ou coisa que podem vir a ter para essas pessoas, a intensão de prejudicá-la ou aniquilar sua vida. Roubo de pensamento e ideias (a criatividade dos oyimbos é mó comédia né não rsrs). Eles basicamente chamam isso de alteração no curso do pensamento, que teria ainda formas e conteúdo nos seus ingredientes básicos.

Mas pensa bem ao que serve a escola branca para o negro? O tempo todo ela confirma e faz atualizações das ‘más’ diversas formas de roubo e apropriação do nosso pensamento, da nossa cultura, nosso axé, nossa energia, nosso dinheiro. Eu consigo ouvir Adriana calcanhoto cantando “eis me aqui, chocolate…”. Se tem alguma mulher branca que represente bem o que é a mulher branca, é a Adriana Calcanhoto,. Ela me dá arrepios igual a escola parceiro hahaha medo de infância bicho. Aí não toquem aquele disco infantil pras cria heim rsrs.

O ponto é que, são dois exemplos de BOs brabíssimos para o homem preto no que se refere a roubo de pensamento e ideias, a escola e a mulher branca. Corra!

Tu tá ligado que essa parada de escola é uma fábrica de negresquice que te torna um especialista nisso e quanto mais graduado, pós graduado e pá, vc é mais especialista ainda. Aquilo molda vc do comportamento, ao modo como fala, como veste e se pá que não é só lá dentro, o bagulho pega em todas as dinâmicas de nossas vidas. Se falamos de escravização mental, ela vem pela educação e as “contações de história” brancas, e nem adianta chamar de pedagogia preta e tocar o bagulho que nem se fosse a paradinha branca aí, só que com monte de preto com suas faces estampando alegria em servir. Os “representativo afrocentrados e pós coloniais” kkkkkkkkk

Lá na escola, tinha tudo q nós sabemos que temos e tudo que sabemos que não temos e tal, mas pulando essa parte que nem uma figurinha que rolou por aí rsrsrs, tinha um pretão foda que geral respeitava e botava mó respeito com a molecada e até entre os outros funcionários da escola. Seu Irineu era um sujeito cabuloso que eu pensei muitas vezes sobre ele e o lugar que ele ocupava ali. Um cara que não precisava falar, eram poucas palavras, qdo ele as usava, tu nem sabia daonde vinha. Era muito doido, seu Irineu aparecia do nada e lançava um:

“Teu braço tá quebrado?”

Eu tentando entender como ele apareceu, de onde veio e como e o que significa essa pergunta em específico.

“tá com o braço por cima dela pq caboclo?”

Ná minha cabeça por muito tempo foi que ele queria impor uma ordem de não se pode andar abraçado os meninos e meninas, sabe qual é? Aí me bateu uma das brisa que me batem que são meus acessos a isso de intuição tlgd. Dái que bateu que por mais que todos parecessem ter medo de Irineu. Eu nunca me senti assim em relação a ele. Eu sempre me diverti com essas aparições misteriosas e uma falas parabolisticas cheias de referências e alusãoes cômicas demais. Ele era como um conselheiro ali pra mim, enquanto para os pivete de yurugu ele era o cão chupando manga.

“O senhor tem irmão gêmeo?”

“não seu Irineu pq?” A essa altura eu achando que a me consagrar por achar que ele tinha me confundido com outro caboclo.

“Pq eu achei que tinha lhe visto com camisa de escola publica aqui na rua de trás.”

A essa altura eu já sabia que era comigo mermo. “Po seu Irineu, eu não tenho dinheiro, minha mãe usa pra pagar escola. Aí eu não pago passagem”

“eu sei caboclo que tu não tem irmão, só quero vir te dizer que eu te vi. O senhor tome cuidado para eu não te ver outra vez.”
Ná altura de agora eu sei que aquele pretão me dava dicas de corra ao estilo Jordan Peele.

Arte: Vitoria Camilly

Pelo lugar que ele ocupava e a função que um inspetor escolar tem, davam a ele a imagem perfeita para um capetane delo mato. Um pretão disciplinador que rodava a escola pra dar enquadro em geral. Contudo porem todavia….rsrsrsrs era um pretão que que me alertava dos meus vacilos e ainda me dava uma chance de consertar antes de aplicar a penalidade.

Pra mim que cresci sem presença de uma referência, uma figura masculina por perto, seu Irineu sempre foi como um pai, alguém que dava o papo, cobrava, me dava noção de respeito, me ensinou a ser atento com o básico de manutenção da vida (acho que esse foi o maior desafio dele hahahah).

Depois que sai da escola e fui crescendo tomando caminhos na minha vida, muitos em que me pus por não saber ouvir Seu Irineu. Mas que entendi melhor depois que muitos boletos chegaram, sempre chegam né. Mas lembro que todas as vezes que nos encontrávamos, e era bem esporádico então sempre rolava aquela surpresa ‘ele tá vivo’! e depois era muito agradável e era quando eu o via sorrindo mais. E era muito bonito ver Seu Irineu sorrindo, sempre montado num pano colorido ao invés do habitual jaleco branco de pipoqueiro que usava qdo tava disfarçado de inspetor rs!

Já fazem muitos anos que não o vejo, será que tá vivo?

Texto: Marcos Andrade.

Foto: Arquivo pessoal.

--

--