Vamos Plantar?

Dada Adjoa Òkòtó
revistaokoto
Published in
3 min readMar 18, 2021

Existem inúmeros motivos para começar a plantar seu próprio alimento, estranho mesmo é não plantar!

Por aqui falamos sempre sobre o resgate da nossa espiritualidade, que é totalmente interligada com a natureza, uma vez que somos nós mesmos a própria natureza. Pensar na nossa saúde holística, e holística pensando em todos os nossos corpos — físico, mental e espiritual, recai diretamente em pensar na nossa alimentação ( de todos os tipos, como a comida, conteúdos midiáticos, literários, artísticos, ideias e relações).

Plantar o nosso próprio alimento vai além de pensar na qualidade da alimentação que vai boca a dentro e que é muito importante, mas também na alimentação do espírito, na relação íntima com a vida, com a terra, com as plantas, com o sol, com a lua e com o tempo.

É sobre se posicionar no mundo e compreendê-lo de forma a adquirir inteligência para lidar com o meio e a vida. Inteligência essa que foi essencial para a formação dos quilombos e para revoluções pretas como a do Haiti, por exemplo.

Todos os nossos sistemas espirituais se baseiam no ritmo e tempo dessa dança cósmica, que é a vida. Vocês se lembram, na autobiografia do Malcolm X, a passagem em que ele descreve como era sua rotina e sensações na horta que ele teve aos 4 anos de idade? Então, é também sobre isso hahaha

Bom, vamos pensar um pouquinho sobre a terra então. Nossos ancestrais foram sequestrados e trazidos para esse continente justamente para trabalhar sobre as terras. Em 1850, mesmo ano em que foi aprovada uma lei que previa o fim do tráfico negreiro, foi aprovada também a Lei das Terras que dizia que a única forma de se obter terras no Brasil era através da compra ao Estado. Antes, para branco, era aquela fita de chegar e se estabelecer ou ter as terras doadas pelos capitães e governadores das Capitanias Hereditárias, enfim, nada de surpresa né?!

Com a abolição em iminência, era óbvio que os brancos iriam tratar logo de garantir que os negros não tivessem terras, como mecanismo pro genocídio, e nem se tornassem concorrência nesse grande nação curral — uma vez que branco não sabe trabalhar com a terra, inclusive nos dias atuais.

Sem terra, ficamos refém do alimento que o outro escolhe, ou não, nos dar. Sem terra não tem como haver autonomia.

Foi nessa época, também, que os brancos pobres imigraram para o Brasil, já com lotes de terras — esses que tão nas quebradas hoje falando que “o problema não é raça, mas sim classe”, tem que culpar os ancestrais deles pela situação que estão, pois oportunidade eles tiveram né?!

E então, o que temos é fazendas com centenas de milhares de hectares na mão de uma única pessoa que nunca, sequer, conseguiu andar por todo seu território e milhões dos nossos aglomerados em pequenos pedaços de concreto.

Fanon trouxe no livro “Os Condenados da Terra” que “Para a população colonizada, o valor mais essencial, por ser o mais concreto, é em primeiro lugar a terra: a terra que deve assegurar o pão e, evidentemente, a dignidade.”.

Essa ideia é muito presente nos nossos mais velhos, nos nossos avós e pais que focaram muito em trabalhar para nos garantir alimento e moradia. E agora, enquanto continuidade que surge nesse novo cenário, qual o seu plano para quem está vindo?

Autonomia alimentar é essencial para a autonomia de um povo. Precisamos nos voltar para a terra e resgatar nossa unidade com a natureza. Que tal reaprender plantando nosso próprio alimento?

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