Vida longa ao Òkòtó

Mariah Vianna
revistaokoto
Published in
3 min readNov 30, 2022

Acredito que as palavras não sejam suficientes para expressar todos os sentimentos que eu tenho após esse último encontro com o meu bonde. Celebrar junto a eles, celebrar nossas realizações, nosso constante progresso é celebrar a vida, o presente e o futuro. É renovador, é injeção de energia, que dá uma força sem tamanho e uma certeza maior ainda de que estamos construindo a história que queremos.

Somos, de fato, uma galera que vai na contramão de quem não quer evoluir.

Contrariando, em alto nível, aqueles que dizem que não é possível, aqueles que precisam se escorar no branco pra viver, nós estamos vivendo a vida que desejamos e merecemos. Muito longe daquele sentimento de autoódio e autodepreciação que faz muitos de nós se manterem como eternos dependentes do mundo branco, nós temos orgulho e disposição suficientes para não precisarmos nos submeter a isso. Somos um povo poderoso e sabemos disso! Os sentimentos que nos acometem são muito maiores e diferentes do que se espera de um “movimento negro radical”, para o qual se espera uma rigidez e seriedade constantes, cercada de falta de alegria e um cansaço sem fim. O Òkòtó, para além de toda a responsabilidade e trabalho que temos, a seriedade que nos é necessária e o cansaço que às vezes bate mesmo, é abundante em alegria, não falta brincadeira, leveza e sagacidade para viver! Aqueles pique do bonde que alimenta e é alimentado por Exu.

Quando a gente sai de um evento como foi o II Festival “É coisa de Preto” e sente na pele e no coração as coisas que a gente é capaz de fazer, é muito foda. Saber que nós somos capazes de reunir uma galera preta “diversamente” foda, cada um à sua maneira, com seu jeitinho ímpar que soma na construção dessa nação que estamos construindo, é um sentimento muito único, que só quem faz parte é capaz de sentir. Além disso, saber que essas pessoas pretas têm disposição para assumir um compromisso tão sério com nosso povo é de uma beleza e coragem infinita, e, por essas coisas, conseguimos realizar coisas tão grandes como foi a segunda edição do festival. Só mesmo com muita entrega é possível! E o bonde entrega tudo, nós sabemos. Só quem está dentro sabe a dedicação necessária para conseguir realizar um evento como esse, feito exclusivamente para nós e por nós. É muito trabalho, mas, em contrapartida, um trabalho que nos dá a certeza que ninguém nos tirará isso por nada, porque é nosso.

Nós estamos construindo coisas grandes, reescrevendo a nossa história a partir dos nossos termos. Isso é algo único, especial e muito importante para o nosso povo. Fazer parte disso, ser contemporânea desses brabos e brabas que caminham ao meu lado me dá muita honra e, quero fazer o possível para que eles se sintam honrados de caminhar ao meu lado também. Para muitos, o que a gente faz pode parecer maluquice ou até muito pouco, mas só quem está ali colocando os tijolos, sabe o prazer e o valor de ver sua casa sendo erguida tão linda e tão sólida. Das muitas coisas que o Òkòtó me trouxe, uma delas é que a vida é bem melhor em comunidade e somente a nossa organização é capaz de alterar a condição de nosso povo nesse mundo, pois, ninguém, senão nós, nos dará o que queremos.

Assim, hoje entendo que precisamos estar cada vez mais organizados para continuar realizando, continuar criando e progredindo. A partir disso, desse trabalho constante e prazeroso seremos capazes de fazer muito mais coisas. Outros festivais maiores e melhores virão, porque o bagulho é sempre se aperfeiçoar, nunca estaremos perfeitos, sempre estamos no caminho de constante melhoria. Aqui, na nossa casa, eu consigo viver um presente imenso e vislumbrar um futuro maior ainda. Fazer parte desse bonde é ser tomada pelos melhores sentimentos possíveis e ter uma certeza gigante de que estou no melhor lugar que eu poderia estar na minha vida, é ter força e coragem para enfrentar os maiores caôs que a vida me apresentar, é se sentir vivo e potente. Só me resta o pesar por aqueles que não podem ou não querem viver esse sentimento e continuam por aí como vira latas. O Òkòtó é imenso e quem viver verá tudo que ainda temos para fazer!

Vida longa ao Òkòtó! Vida longa ao Festival “É coisa de preto”!

Arte: Vitória Camilly

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